sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Que Congresso é este?

Folha de S. Paulo, 23 de janeiro de 2015.

Disputa deprimente

Rivalidade entre candidatos à presidência da Câmara dos Deputados se traduz em negociações fisiológicas e lances aloprados
Depois de um período de marcado favoritismo de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), torna-se acirrada a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados.
As chances do candidato preferido do governo federal, Arlindo Chinaglia (PT-SP), teriam crescido nos últimos tempos, com Júlio Delgado (PSB-MG) tentando impor-se como fiel da balança num eventual segundo turno.
Intensificando-se a rivalidade, aumenta proporcionalmente o potencial do noticiário para constranger, deprimir e rebaixar o espírito de quem o acompanhe.
Viagens de jatinho, em ritmo capaz de competir com o das eleições à Presidência da República, ocupam a agenda de postulantes que competem por pouco mais de 500 votos --os de seus pares na Casa.
Promessas vulgares, típicas do varejo político, entram na pauta de Cunha. O peemedebista acena, para seus colegas, com a equiparação definitiva do salário dos congressistas ao teto do funcionalismo, hoje fixado em R$ 33,7 mil.
Quem dá mais? Chinaglia pretende reajustar o caixa do gabinete de cada deputado, que consome R$ 78 mil por mês. Parece-lhe insuficiente, ademais, a verba indenizatória destinada ao pagamento de despesas como consultorias e passagens, que já chega a R$ 41 mil mensais em alguns casos.
Não se pense, porém, que migalhas desse tipo possam ser decisivas para mudar o voto de qualquer um. Oito partidos nanicos, totalizando 40 deputados, recebe ofertas mais substanciais do Planalto. Cargos no governo federal e em gestões petistas nos Estados e municípios se disponibilizam a esse grupo em troca do apoio a Chinaglia.
Mais absurdo é o episódio de suposta gravação contendo indícios de que Cunha estaria envolvido em irregularidades apuradas na Operação Lava Jato. Ainda que suspeitas desse tipo pairem sobre o nome do peemedebista, nada de concreto se revelou até agora.
O próprio Cunha dá ciência, então, de um áudio com que se pretenderia incriminá-lo. Notam-se vários sinais de inautenticidade. De onde teria vindo a impostura?
O peemedebista sugere que a manobra partiu de "aloprados" da Polícia Federal. Um deputado petista lança a hipótese contrária. Cunha estaria tentando vacinar-se contra outras denúncias.
O esclarecimento de todo o caso, calcula-se, virá apenas depois da eleição na Câmara. Enquanto isso, deputados e governo, engajados nessa disputa mesquinha, apequenam a Casa legislativa que, por definição constitucional, abriga os representantes do povo.
Do povo? Não; os congressistas, salvo honrosas e cada vez mais raras exceções, são representantes apenas dos próprios interesses, e o governo só amplia tal distorção.

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