sábado, 17 de janeiro de 2015

As instituições não funcionam

Folha de S.Paulo, 17 de janeiro de 2015.

André Singer

Que se vayan todos?

As primeiras semanas de janeiro confirmam as previsões pessimistas sobre 2015. Decisões contracionistas no plano federal; escassez de água no Estado de São Paulo; conflito violento em torno do transporte público na maior cidade do país. Para acirrar os ânimos, um verão tórrido pontilhado de tempestades que deixam sem luz parte da população paulistana. Cria-se o ambiente para explosões de raiva.
Enquanto isso, a política segue o seu curso imperturbável. O PMDB, detentor da direção do Congresso Nacional, entra na disputa pela continuidade na presidência do Senado e da Câmara com nomes sujeitos a envolvimento no escândalo da Petrobras. Não seria razoável, ainda que por precaução mínima e respeito aos cidadãos, apresentar candidatos desvinculados de qualquer suspeita?
Serei chamado de ingênuo, o que ocorre com alguma frequência entre os leitores que me dão a honra de ler e comentar. Não se trata de ingenuidade e sim de evidenciar, na referência a valores, o assustador descolamento que existe entre o cotidiano na planície e a espécie de permanente baile da Ilha Fiscal em que vivem as instituições. Em particular, os grandes partidos. Parecem não se dar conta do buraco que se abre a seus pés.
No Estado de São Paulo, a situação emergencial ocasionada pela crise hídrica poderá causar efeito parecido ao que o apagão de 2001 teve sobre o governo Fernando Henrique Cardoso. Quando faltam os elementos básicos que sustentam o dia a dia, como água, energia elétrica ou alimentos, não se consegue pensar em outra coisa e o governante torna-se alvo de intenso repúdio.
O reconhecimento tortuoso por parte de Alckmin de que existe racionamento é como um tapa na cara do cidadão. Todos sabem que falta água em parte das casas pelo menos desde meados de 2014. É mais do que hora de o governador, com seriedade, comunicar o quadro real à população e o que precisará ser feito para enfrentá-lo.
Em outra esfera, o aumento das passagens na capital paulista foi feito de maneira que desconhece a força do novo tipo de mobilização social representado pelo Movimento Passe Livre (MPL). A Prefeitura argumenta que procedeu de acordo com as reivindicações de junho de 2013, entre outras coisas concedendo isenção de tarifa para estudantes de escolas públicas. No entanto, o prefeito Fernando Haddad (PT) deveria ter chamado antes o MPL e demais entidades interessadas no assunto para explicar e negociar publicamente o aumento, construindo opinião coletiva a respeito. Ao anunciar as novas tarifas de supetão e na calada das férias, subestimou o espírito do tempo.
As instituições não funcionam, mas não podemos viver sem elas. Precisamos transformá-las.

Nenhum comentário:

Postar um comentário