quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Mudar para preservar

Folha de S. Paulo, 16 de novembro de 2014.

Ferreira Gullar

Começou a mudar?

O descontentamento que se manifestou em junho de 2013 parece ter ganho definição, objetivo e uma liderança
Não posso adivinhar qual será o desfecho desta história que começou com a morte surpreendente de Eduardo Campos, desdobrou-se na ascensão de Marina Silva, depois com o crescimento da candidatura de Aécio Neves e concluiu com a vitória de Dilma Rousseff sobre ele, pela diferença de apenas 3 milhões de votos.
Será que esse é o final do processo ou, na realidade, o começo de uma nova etapa da história política brasileira? Não sei, não tenho opinião formada sobre este momento; não obstante, tudo indica que esta não foi uma eleição como as outras e que, por isso mesmo, pode trazer consequências decisivas para o país, daqui em diante. Não resta dúvida de que estes 12 anos de governo petista tiveram consequências importantes na vida social e política do país. Não apenas o primeiro governo Lula se destacou no atendimento amplo do setor mais necessitado da população e fez crescer o salário mínimo, como também se valeu dessas conquistas para se manter no poder o mais tempo que puder.
Foi precisamente esse projeto que esteve em risco durante as últimas eleições, como demonstrou o resultado delas. O PT ganhou de novo, mas ganhou por pouco e as forças que se mobilizaram contra o partido não parecem dispostas a cruzar os braços e deixar o barco correr, como tem acontecido até aqui.
O temor de perder as eleições levou o PT --consequentemente sua candidata-- a subir o tom do discurso e radicalizar na tentativa de derrotar o adversário que, por sua vez, respondeu no mesmo diapasão. Nada disso ocorreu por acaso e, sim, como consequência da conjuntura política que se formou durante o governo de Dilma Rousseff.
A verdade é que esse quadro político se definiu, de um lado pelo desgaste do governo petista, que não pode esconder o agravamento dos problemas tanto no plano econômico e social, com a estagnação da economia e o crescimento da inflação, e, por outro lado, no plano político com o crescente escândalo que envolve a Petrobras e altas figuras do partido governante e seus aliados. Tudo isso, naturalmente, desgastou o governo e fez crescer o número de pessoas que passaram a desejar uma mudança drástica na realidade política e social do país. O resultado das últimas eleições reflete isso.
No entanto, é necessário constatar que todos esses fatores geraram uma nova configuração do quadro político nacional. É que, ao contrário do que vinha ocorrendo nestes 12 anos de governo petista, os que perderam estas últimas eleições --e que somam cerca de 51 milhões de eleitores-- não voltaram para casa como das outras vezes: vieram para as ruas e para as redes sociais manifestando o desejo de mudança.
Ao que tudo indica, se a campanha eleitoral terminou, a luta pela mudança radical da situação nacional continua. O descontentamento que se manifestou em junho do ano passado parece ter ganho, agora, definição e objetivo, e mais que isso, uma liderança.
De fato, o que ocorreu em junho de 2013 foi a expressão espontânea de parte da classe média contra o lamentável quadro político do país. Os sucessivos escândalos e a sombra da impunidade sempre presente resultaram nas manifestações de protesto que, sem liderança definida, não teriam maiores consequências.
Não obstante, assustou a classe política e, particularmente, os petistas, o que levou Dilma, extemporaneamente, a propor um plebiscito para uma nova Constituinte.
Um ano se passou, e chegaram as eleições. A campanha eleitoral contribuiu para que aquele descontentamento se definisse e ganhasse rumo: tirar o lulapetismo do poder já seria um passo adiante no rumo das mudanças que se fazem necessárias. Nessa conjuntura, o papel desempenhado por Aécio Neves, como candidato da oposição ao governo petista, fez dele o intérprete desse descontentamento e, possivelmente, o líder da luta pela mudança.
Claro que a mudança que se faz necessária tem que contar com o apoio não apenas da opinião pública --que é decisiva-- mas de forças políticas consideráveis, que ainda estão ligadas ao governo. De qualquer modo, não se trata de buscar soluções antidemocráticas mas, sim, ao que tudo indica, mudar para preservar a democracia.

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