segunda-feira, 29 de setembro de 2014

STF suspende ação



Estado de S. Paulo, 20 de setembro de 2014.
STF suspende ação contra militares no caso Rubens Paiva
Roldão Arruda
29 setembro 2014 | 15:30
Atendendo a uma reclamação dos advogados de defesa, ministro Teori Zavascki suspendeu ação penal contra os cinco militares acusados de envolvimento no desaparecimento e na morte do deputado federal Rubens Paiva. Decisão é liminar. Mérito ainda será julgado
O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta segunda-feira, 29,  suspender a ação penal que tramita na Justiça Federal do Rio contra os cinco militares acusados de envolvimento no desaparecimento e na morte do deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971. Trata-se de uma decisão liminar.
Ela atende a a uma reclamação protocolada a semana passada no STF pela defesa dos militares, na qual se alega que a decisão do juízo de primeiro grau afronta a autoridade do STF. Os advogados lembraram que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, a corte suprema decidiu pela validade da Lei de Anistia de 1979. Em outras palavras, os militares não poderiam ser julgados, uma vez que foram anistiados.
O processo sobre o desaparecimento de Paiva resultou de uma investigação do Ministério Público Federal (MPF). As primeira audiências para instrução e julgamento estavam marcadas para os próximos dias 7, 8 e 9. Mas, com decisão liminar, elas serão suspensas.
Na Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, o processo já havia sido paralisado uma vez, por meio de um habeas corpus impetrado pelo acusados. No julgamento do mérito, porém, a ordem foi indeferida e a liminar revogada.
Os advogados recorreram então ao STF, defendendo a extinção da punibilidade. Afirmam que a Lei da Anistia, reconhecida pelo STF, tem “eficácia vinculante”. Também alegaram que a medida “evitaria o desgaste físico e emocional” a que seriam expostos os acusados, “alguns septuagenários e com graves problemas de saúde”.
O ministro Teori Zavascki atendeu ao pedido e concedeu a liminar. Ainda não se sabe quando será julgado o mérito da questão.
Ao conceder a liminar, o ministro também solicitou informações sobre o caso à 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Pediu ainda à Procuradoria-Geral da República um parecer sobre o caso.
Paiva foi morto em janeiro de 1971, após ter sido preso e levado para as dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 1.º Exército, na Tijuca, Rio de Janeiro, segundo as investigações do MPF.  Além de homicídio doloso e ocultação de cadáver, os cinco militares – José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos – respondem pelos crimes de associação criminosa armada e fraude processual.

Risco de resvalar pela ladeira do "bolivarismo"

Folha de S. Paulo, 29 de setembro de 2014.

Simon Schwartzman

Eleições, democracia e instituições

As democracias modernas necessitam abrir espaço para a participação dos cidadãos em diversas áreas
A certeza de que os resultados das urnas serão respeitados é prova de que a democracia brasileira está funcionando bem em um aspecto central, o sistema eleitoral. Mas os exemplos de vizinhos como Venezuela e Argentina mostram que democracia é muito mais do que eleições -ela requer também instituições sólidas, que permitam que o governo funcione de forma competente e eficiente; uma ordem legal que proteja e garanta a liberdade e os direitos individuais; e um sistema político-partidário que seja percebido pelos cidadãos como capaz de articular e representar seus interesses e preocupações. As democracias modernas também necessitam abrir espaço para a participação dos cidadãos em diversas áreas de seu interesse, acompanhando e complementando a ação dos governantes. Vista assim, a democracia brasileira está ainda longe do que deveria ser, e o risco de resvalar pela ladeira do "bolivarismo" de tipo venezuelano é bastante real.
Os episódios recentes que atingiram o IBGE, assim como o debate recente sobre a autonomia do Banco Central, permitem entender com clareza a importância das instituições em um regime democrático, que afeta também as agências regulatórias, o Supremo Tribunal Federal, as universidades públicas, o Ipea, a Receita Federal e a Polícia Federal, assim como empresas estatais como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES. O governo federal, em nome da sociedade, tem responsabilidade e obrigação de indicar os principais dirigentes dessas instituições, orientar suas ações e cobrar resultados, o que é muito diferente de ter a liberdade de nomear, simplesmente, seus preferidos políticos e interferir, sem mais aquela, no dia a dia de suas atividades. É para isso que devem existir regras definidas sobre as características que os indicados precisam ter (competência técnica, idoneidade, ausência de conflitos de interesse), mandatos definidos, aprovação das indicações pelo Senado, e conselhos superiores encarregados de supervisionar e também de proteger as instituições de interferências externas indevidas.
O governo FHC avançou bastante ao dotar as agências reguladoras de autonomia e garantir, na prática, a independência de instituições como o IBGE, o Ipea e o Banco Central, sem chegar a lhes dar, no entanto, a estrutura legal de instituições autônomas de que necessitam. Os governos do PT usaram as agências reguladoras e as estatais para distribuir cargos para aliados e protegidos, e só agora o país percebe o alto preço que está pagando, entre outros, pelo uso político da Petrobras e da Eletrobras. O Ipea e o IBGE, sem mandatos e formatos institucionais claros, se perdem em confusões técnicas que criam suspeitas sobre interferências políticas. E o posicionamento da candidata Dilma contra a autonomia do Banco Central mostra que ela não reconhece a importância de instituições públicas sólidas para uma democracia que realmente funcione. Não é um bom sinal.

A falta de ética

Ética: um conceito cada vez mais divorciado da política
29 Set 2014

Brasil

O vale-tudo eleitoral, as mentiras das campanhas, as candidaturas de políticos corruptos e os recentes escândalos nos Três Poderes expõem a crise dos valores éticos no País

Josie Jeronimo

 
As primeiras eleições presidenciais depois da ditadura militar, realizadas em 1989, ficaram marcadas pela acirrada disputa entre o “caçador de marajás” Fernando Collor de Mello e o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Na reta final da campanha, quando as pesquisas apontavam empate técnico entre os dois concorrentes, Collor levou ao programa de TV o depoimento de Miriam Cordeiro. Ex-namorada de Lula, ela o acusava de ter proposto um aborto quando estava grávida de Lurian, filha do casal, na época com 15 anos.
A cartada foi decisiva para a vitória de Collor e o episódio entrou para a história brasileira como a primeira grande baixaria política da democracia que se instalava no País. O que poderia servir de exemplo sobre práticas a serem esquecidas e condenadas pela sociedade, porém, tornou-se regra das campanhas eleitorais. Nos 25 anos seguintes à refrega de 1989, a ética e a política seguiram caminhos distintos. Sucessivos escândalos de corrupção em quase três décadas de democracia revelaram aos brasileiros uma profunda crise nos valores que deveriam nortear o comportamento dos governantes. Apesar de avanços inegáveis, como a Lei da Ficha Limpa, hoje prevalece nas campanhas e no exercício do poder um vale-tudo que contamina candidatos e instituições. Os programas dos partidos apresentados no rádio e na TV expõem ataques pessoais, acusações infundadas, mentiras e distorções sobre as propostas dos adversários. Nesta semana que antecede o dia das eleições, o jogo bruto das campanhas tende a se intensificar. Nesse ambiente de abusos, resta aos eleitores redobrar a atenção na hora do voto, método mais eficiente na tentativa de resgatar os valores éticos tão imprescindíveis a uma sociedade desenvolvida em todos os aspectos.
A tática do jogo sujo ficou tão banalizada que nem mesmo as autoridades escondem seus maus costumes. Em março do ano passado, num lampejo de sinceridade, a presidenta Dilma Rousseff revelou em um discurso feito na Paraíba sua filosofia nas disputas pelo poder: “Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”. Pelo que se viu nas últimas semanas, Dilma e outros candidatos cumprem à risca esse ensinamento. A falta de filtros morais no jeito de fazer política se manifesta desde a negociação das coligações, acertadas na maioria das vezes em função de mais tempo nos programas de TV, até a formação dos governos, definida em função do rateio de cargos em todos os escalões. “A ética brasileira foi cunhada pelo absolutismo, que centraliza os poderes do Estado, mas que por não ser um governo totalmente legítimo precisou cativar os setores que poderiam se rebelar. Daí nasceu a troca de favores e a venda de cargos”, afirma o professor da Unicamp Roberto Romano, especialista em filosofia política e ética.
Esse sentimento de subversão generalizada dos preceitos republicanos tem reflexos deletérios para a imagem do Brasil no mundo. O último estudo elaborado pela ONG alemã Transparência Internacional situa o País na 72ª posição entre 177 nações analisadas sob o critério de percepção de corrupção. Pelas projeções feitas sobre os resultados de 2014, a tendência é piorar essa classificação. “Há criminosos candidatos que não foram enquadrados pela Lei da Ficha Limpa, e escândalos como o da Petrobras impactam os avaliadores. Fica a impressão de que no setor público até os contratos de faxina têm esquema de corrupção e que sem propina nem o cafezinho é servido”, afirma Léo Torresan, presidente da Amarribo, associação que representa a organização alemã em solo brasileiro.
Os exemplos da falta de honestidade apareceram com força logo depois da primeira eleição direta para a Presidência. Em 1992, o então presidente, Fernando Collor, foi submetido a um processo de impeachment após ser alvo de denúncias de corrupção. No governo Fernando Henrique Cardoso, para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição de ocupantes de cargos executivos, deputados foram acusados de vender seus votos. Em 2005, no mais rumoroso caso de corrupção da história recente, os brasileiros foram surpreendidos com o “mensalão”, nome pelo qual ficou conhecida a transferência de dinheiro ilegal do PT para partidos aliados. O então presidente Lula se defendeu com o argumento de que se tratava de “caixa 2” de campanha, o que configura crime eleitoral, mas é disseminado por quase todas as legendas. O STF, porém, entendeu que se tratava de compra de apoio parlamentar. Com isso, foram parar na cadeia alguns figurões do PT, como o ex-ministro José Dirceu, da Casa Civil, e o ex-presidente do partido José Genoino.
A lista de escândalos com dinheiro público, no entanto, não escolhe partidos. No ano passado, os brasileiros souberam pela ISTOÉ que, no Estado de São Paulo, durante as gestões tucanas de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin foi montado um propinoduto em que autoridades, em troca de verbas para campanhas do PSDB paulista, usavam influência política para interferir na assinatura de contratos com as empresas Alstom e Siemens para a construção do metrô. Investigações identificaram pagamento de R$ 13,5 milhões só em propinas. No Distrito Federal, o então governador José Roberto Arruda teve a carreira interrompida depois de divulgadas imagens de um vídeo que o mostraram recebendo pacotes de dinheiro ilegal. O envolvimento no caso provocou a prisão de Arruda, por dois meses, na sede da Superintendência da PF em Brasília. Apesar da imoralidade das imagens, até três semanas atrás, Arruda liderava as pesquisas para governador. Ele só decidiu desistir da disputa depois que teve a candidatura impugnada pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa. Mais recentemente, irrompeu o escândalo da Petrobras. Em depoimento sob o regime de delação premiada, o ex-diretor da estatal, hoje preso, acusou parlamentares, governadores e ministros do governo Dilma de participação de um esquema de corrupção que sangrou os cofres da Petrobras em bilhões. O próprio delator admitiu ter recebido US$ 23 milhões de uma única empreiteira.
Os métodos condenáveis não são exclusividade do Executivo e Legislativo do País. Mancham também o Judiciário. Embora não seja crime, a prática de indicar parentes para cargos de destaque se tornou corriqueira nos tribunais. É o que faz atualmente o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fux está empenhado em assegurar a nomeação de sua filha Marianna Fux para desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ela disputa o posto com outros 38 cidadãos com credenciais para a função. A pressão do ministro do STF ganhou repercussão nacional nos últimos dias e fez com que a OAB mudasse o processo de escolha, com o objetivo de blindar-se de possíveis críticas de favorecimento à filha do ministro. Letícia Mello, filha de outro ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, teve sucesso em empreitada semelhante. Em abril deste ano, ela tomou posse como desembargadora no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). Marco Aurélio afirmou, à época, que não pediu votos aos desembargadores, mas reconheceu que telefonou para agradecer a atenção que os magistrados deram à filha quando ela os visitou nos gabinetes.
Na atual campanha eleitoral, os exemplos de tentativas de ludibriar os eleitores surgem aos borbotões. Durante entrevista na semana passada ao telejornal “Bom Dia Brasil”, da TV Globo, a presidenta Dilma apresentou números econômicos irreais contestados de imediato pelos jornalistas. Ao forjar situações inexistentes, distorcer e falsear dados oficiais, os políticos conseguem piorar uma prática tornada pública, involuntariamente, em 1994, pelo então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Na ocasião, enquanto aguardava o momento em que seria entrevistado pela TV Globo e, sem saber que o microfone estava aberto, Ricupero expôs o que nenhuma autoridade diz em público. “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, disse o ministro. Captadas por aparelhos com antena parabólica, o ministro perdeu o cargo.
Apesar das evidentes rupturas com os princípios éticos, a realidade demonstra como é difícil mudar o comportamento dos poderosos. Em junho do ano passado, as ruas das principais cidades brasileiras foram tomadas por milhões de pessoas que protestavam por mudanças na política e nos governos. Agora, no entanto, observa-se a dificuldade em institucionalizar esse clamor. O mesmo aconteceu com a “Primavera Árabe”, nome pelo qual ficaram conhecidas as manifestações que sacudiram países do Oriente Médio e do norte da África a partir de dezembro de 2010. Passada a turbulência inicial, muita coisa continua como antes. No Egito, por exemplo, depois da derrubada do ditador Hosni Mubarak, a disputa pelo poder no país continua sendo travada pelos militares e pela Irmandade Muçulmana. Também no Brasil, a história demonstra que mesmo as grandes rupturas ocorridas em nome do combate à corrupção se revelaram inócuas. Em 1954, Getúlio Vargas cometeu suicídio quando seu governo era acusado pelos adversários de se ter transformado em um “mar de lama”. Dez anos depois, os militares deram um golpe e assumiram o poder com a bandeira da moralidade, mas foram escorraçados do poder em 1985 quando a censura não conseguia mais abafar o que ocorria nos porões do regime autoritário.
A poucos dias do primeiro turno das eleições, ainda há tempo para os brasileiros provocarem uma interferência efetiva na triste realidade. Somente o eleitor, na solidão da cabine de votação, pode afastar os maus políticos. Se dependêssemos apenas das autoridades, não haveria solução. O melhor exemplo disso talvez tenha sido dado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves. Na semana passada, ele encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça uma representação contra o juiz Marlon Reis, um dos principais responsáveis pela aprovação da Lei da Ficha Limpa. Alves quer que Reis seja punido pela publicação de um livro em que relata dezenas de casos de parlamentares envolvidos em corrupção. “Afirmei e reafirmo que há entre os deputados pessoas que alcançaram seus mandatos por vias ilícitas. Estes precisam ser detidos, o que demanda uma profunda mudança do vigente sistema eleitoral, corroído por uma mercantilização do conceito de política”, diz o juiz. O primeiro passo para isso pode ser dado pela sociedade no dia 5 de outubro.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

"Pena de morte" no Brasil



http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/decapitacoes-nas-prisoes-um-recado-igorado/
Fausto Macedo, repórter
Decapitações nas prisões, um recado ignorado
Redação
26 setembro 2014 | 05:00
Por Alexandre Pereira da Rocha*
Militantes jihadistas, numa defesa de um Estado Islâmico do Iraque, têm promovido cenas de terror. Recentemente foram divulgados vídeos mostrando a decapitação de jornalistas norte-americanos. Tal fato gerou sentimentos de revoltas pelo mundo afora. Enquanto isso outra rebelião estoura num presídio brasileiro e mais um presidiário é decapitado. Pouco disso é divulgado.
Vale aqui evocar a canção de Caetano Veloso, “O Haiti é aqui”, na qual o poeta nos convida para subir no adro e refletir sobre os contrassensos da sociedade brasileira. Ao mesmo tempo em que nos comovemos com a desgraça alheia, por exemplo, a do povo haitiano, ignoramos as mazelas no quintal de casa. Por isso, ele canta: “O Haiti é aqui, o Haiti não é aqui”. Podemos dizer, então: o Iraque é aqui, o Iraque não é aqui.
Como as belas canções que embalam nossas vidas jamais envelhecem, as contradições que povoam o Brasil tardam em ser eliminadas. Por motivos diferentes elas resistem. Assim é chocante ver uma pessoa sendo decapitada por terroristas jihadistas, mas é aceitável ver cabeças de presidiários sendo amontoadas a cada rebelião nas cadeias brasileiras. É como se esses marginais não possuíssem nenhum espírito ou direito. Portanto já versou o sambista Jorge Aragão: “O Iraque é aqui”.
Não é novidade. Outra rebelião. Outro preso decapitado. Desta vez o fato aconteceu no presídio de Parintins, no Amazonas. Motivação: superlotação, condições subumanas, disputas entre facções. As razões divulgadas na mídia são as mesmas de outras rebeliões. O que pouco se denuncia é que as prisões formam um quadro abreviado das discriminações do país, porquanto lá atrás das grades está a grande parte dos fracassados e desajustados de uma sociedade desigual em desenvolvimento.
Nessa linha, há poucos meses o presídio de Pedrinhas, no Maranhão, ganhou destaque nacional e internacional pela barbaridade com que presidiários foram mortos e decapitados por seus pares. A cena de horror foi filmada de um aparelho celular pelos próprios algozes. Em agosto deste ano, na penitenciária de Cascavel, no Paraná, quatro presos foram mortos, sendo que dois decapitados. Nem é preciso relembrar os 111 mortos de Carandiru para rezar que o Iraque é aqui.
Numa sociedade que defende que “bandido bom é bandido morto”, a quantidade de cabeças de presidiários rolando é irrelevante. Mas um estudo recente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) indica que as cifras são preocupantes. Ora, entre fevereiro de 2012 e março de 2013, foram registradas 121 rebeliões e 769 mortes em 1.598 estabelecimentos penais. No espaço de pouco mais de um ano, na média, ao menos um presidiário foi morto dentro de prisões brasileiras por dia.
Outra contradição. Num país que não possui a pena de morte como procedimento penal, no período analisado pelo CNMP, foram mortos mais pessoas sob a custódia do Estado brasileiro do que o conjunto de países que adotam a pena capital, em 2011. Segundo dados da Anistia Internacional, 676 pessoas foram executadas naquele ano pela pena de morte. Nas prisões brasileiras, pelo que se sabe, 769 pessoas.
Nada disso importa, pois como encanta Caetano: “presos são quase todos pretos, ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres e pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos (…)”. Nada disso tem relevância, lembra Aragão: “aqui tudo é bom, aqui tudo é bom”. Assim, no Iraque brasileiro, ter a cabeça arrancada, ainda mais quando se é um presidiário, é só coisa de cadeia. Pior: é a justa vingança da sociedade brasileira descrente na própria Justiça. Isso não é canção. É a realidade de prisões pelo Brasil afora.
Jihadistas arrancam cabeças de cidadãos norte-americanos numa mensagem direta à Casa Branca. Da mesma forma que, à época de terror da Revolução Francesa, a guilhotina não se cansou de decapitar opositores. Ora, cabeças humanas têm rolado durante a história da humanidade como recurso simbólico de poder. Isso não é só violência. É política. E no Brasil de hoje? Qual recado as decapitações de presidiários quer passar?
Embora as motivações entre as decapitações de jornalistas norte-americanos por terroristas e de presidiários por outros presidiários no Brasil sejam distintas, a força da mensagem é semelhante. Aqui as decapitações são marcas de sistemas penitenciáriosestaduais em crise, senão falidos. O recado está sendo dada com muito sangue. Porém, quantas cabeças mais vão rolar nas prisões brasileiras para que o poder público encare com seriedade esse problema?
*Alexandre Pereira da Rocha é cientista político. Doutor em Ciências Sociais – UNB. Pesquisador na área de segurança pública e violência.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Nada de desculpas



Anos de chumbo: general contesta ministro e diz que não haverá pedido de desculpas

RIO — A notícia sobre o ofício enviado pelo Ministro da Defesa, Celso Amorim, à Comissão Nacional da Verdade (CNV) reconhecendo que as Forças Armadas praticaram tortura caiu como uma bomba no círculo militar. Pegos de surpresa, os oficiais da ativa não disfarçam o mal-estar com a decisão de Amorim. Militares da reserva como o general Augusto Heleno Pereira reacenderam a polêmica ao afirmar que as Forças Armadas não admitirão violações aos direitos humanos durante a ditadura.
— Pelo que li do ofício, em nenhum momento as Forças Armadas reconhecem a tortura. O reconhecimento aconteceu por parte do Ministério da Defesa. Esta história de querer que as Forças Armadas peçam desculpa... é lógico que ninguém vai aceitar isso aí. Não tem sentido essa orquestração. Eles vão pedir desculpas pelos inocentes que eles mataram? Anistia é esquecimento. A partir dali, começa vida nova. Não adianta resolver o passado só com um lado da história. Tudo isso é esquecido para transformar as Forças Armadas em vilã — afirmou o general Heleno.

Ele criticou até o pagamento das indenizações às vítimas de tortura.
— O governo já pagou polpudas indenizações pelo fato de ter reconhecido que o Estado brasileiro teria desrespeitado os direitos humanos. Algumas delas, estapafúrdias. Mas já estão pagas. Esta comissão não tem nenhuma credibilidade, pois só trabalha para um lado. Eles querem transformar guerrilheiros, assaltantes e assassinos em bonzinhos. Estão querendo fazer uma nova caça às bruxas — disse Heleno.
Para o procurador da República Antônio Cabral, que participou do Grupo de Trabalho de Justiça de Transição do Ministério Público Federal do Rio, que investigou os crimes de violação aos direitos humanos durante a ditadura militar, está na hora de as Forças Armadas pedirem desculpas.
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— As torturas e violações dos direitos humanos em instalações militares ficaram comprovadas em várias das nossas investigações. Não vemos, diante de tantas provas, como negar tal situação. Isso se contrapõe às alegações das Forças Armadas. Em toda sociedade, após conflitos, um tema importante é a reconciliação. Não adianta só punir os criminosos, sem pensar numa autorreflexão institucional. Acho que um reconhecimento das Forças Armadas, um pedido de desculpas, seria algo importante — disse Cabral.
O editor de opinião do Clube Militar do Rio, general da reserva Clovis Purper Bandeira, acha que o pedido de desculpas em público não é necessário:
— O reconhecimento já aconteceu por meio das indenizações milionárias. Falta investigar casos de militares que morreram como vítimas em explosões de carro.

domingo, 21 de setembro de 2014

O papel da imprensa em uma democracia de fato

Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 2014.

Eliane Cantanhêde

Gatos e ratos

BRASÍLIA - "Não é função da imprensa fazer investigação", decretou a presidente e candidata Dilma, numa das suas entrevistas diárias no Alvorada a uma multidão de representantes da própria imprensa.
No fundo, Dilma queria dizer: "A função da imprensa é publicar as versões oficiais, as declarações que eu quero e tudo o que contribui com a minha campanha e atrapalha a dos os meus adversários".
Não chegou a tanto, mas disse que nenhum órgão da imprensa tem o status da Polícia Federal, do Ministério Público e do Supremo, esses, sim, aptos a investigar e/ou julgar. E o PT, tem ou não?
O partido nasceu, cresceu, encorpou e ganhou a Presidência, entre 1980 e 2002, justamente em aliança com a PF, o MP e... a imprensa, vasculhando tudo e todos e criando duas categorias de políticos no país: "nós, os puros e éticos, e todos os outros, impuros e antiéticos".
Quem comandou as investigações e a CPI que aniquilaram Collor, hoje amigão de Lula e aliado de Dilma? Quem esteve por trás da divulgação dos escândalos envolvendo qualquer um não petista? O PT, que entrou para a história como o grande partido ético e o grande partido de oposição.
Era ele quem, infiltrado em diferentes instâncias da máquina pública, levantava as suspeitas, fazia dobradinha com policiais e procuradores e pautava os jornalistas. Eles iam à luta, confirmavam a veracidade, colhiam os detalhes e faziam as manchetes. Ou seja, investigavam.
O PT não resistiu à mudança de posição. O gato virou rato, e a imprensa, de "amiga", passou a "inimiga", quando não foi e não é nem uma coisa nem outra. Apenas deve cumprir o seu papel, inclusive o de investigar.
Graças a ela, o país soube dos escândalos dos governos de Sarney, FHC, Lula e Dilma. Entram aí o mensalão, o doleiro camarada, os Correios, o Banco do Brasil, a Petrobras.
Não seja ingrata, presidente! O Brasil precisa cada vez mais dos jornalistas investigativos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Democracia fragilizada

O Estado de S. Paulo, 17 de setembro de 2014.

A DEMOCRACIA FRAGILIZADA


Mais uma vez uma grande decepção se delineia para o povo brasileiro. Em depoimentos à Policia Federal o ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, declarou que políticos da base de apoio ao governo central participavam de um esquema de corrupção envolvendo aquela empresa e  grandes empreiteiras. O fato envolve nomes de expressão no cenário político atual e colocam o nosso governo no centro de um escândalo idêntico ou até maior que o "mensalão".

Advogados renomados e regiamente pagos, certamente, entrarão neste processo, e com base em trâmites jurídicos longos, prolongarão no tempo os possíveis julgamentos finais. O povo brasileiro, conforme experiências vividas em passado, já se manifesta com a costumeira assertiva: "Não vai dar em nada!", selo de descrédito em nossas instituições. É neste ambiente conturbado que a eleição presidencial e as legislativas se aproximam. Com o auxílio de marqueteiros e homens de comunicação social prevê-se um verdadeiro "vale tudo", recomendado inclusive por lideranças políticas que nos governam.

A propaganda eleitoral mostra ainda o nível daqueles que comporão o nosso Congresso e as Assembleias Legislativas. Com exceções, são participações hilárias onde predominam excentricidades, direitos inatingíveis e assistencialismos exacerbados. São representantes de trinta e dois partidos com os costumeiros objetivos de aproveitamento de futuros cargos públicos ou de benesses dos governos central ou estadual. Agora com este novo escândalo, está bem claro que a “base governamental” sempre teve como objetivo evidente o apoio ao governo central em troca de favores e dinheiro público. Fatos que causam indignação e revolta do nosso povo, que não merece um Legislativo encabrestado pelo Executivo. Assim, a pobreza política de nosso país continuará!

E o que se pode dizer do nosso poder Judiciário? Com o êxito alcançado nos julgamentos do "mensalão" e da atuação impar de seu antigo presidente, tornou-se uma esperança para os brasileiros. Entretanto, a presença ideológica e partidária em todos os seus níveis, uma execução penal complexa e prolixa, ininteligível para a maioria do povo são alguns dos aspectos que comprometem a sua credibilidade. E, sem contar, o predomínio da ab-rogação do mérito e as inúmeras indicações políticas que ferem o artigo 101 de nossa Constituição. Neste país continental, com duzentos milhões de habitantes, em que impera a permissividade e a impunidade, necessitamos de um Judiciário que marque sua presença não só com justiça e isenção, mas também com celeridade e punições mais severas no rigor da lei.

Talvez em razão dos fatos apresentados, as indagações quanto às posições das Forças Armadas no atual sistema democrático em que vivemos se avolumam nas redes sociais. "Só Deus e os militares poderão nos salvar!" é o que se lê e se ouve nestes tempos de descrédito. E isso se repete agora como já aconteceu em épocas pretéritas.

O desmando dos governos, a corrupção em todos os níveis das instituições, a situação econômica frágil, a Justiça comprometida, o nepotismo, as mordomias, a falta de segurança são aspectos que, entre outros, fazem o povo clamar. Aliás, tal clamor não vem somente das "zelites", como diz um político e filósofo popular. Vem, inclusive, das classes mais simples do povo.

Mesmo com uma campanha difamatória conduzida por alguns órgãos de imprensa, ideólogos e intelectuais de esquerda e ainda integrantes do mundo artístico, os militares continuam com a sua credibilidade em alta, acima, inclusive, de entidades religiosas; e estão se transformando em "válvula de escape" do clamor popular, fora e dentro dos quartéis. Como fazem parte da sociedade, os militares tudo ouvem, pelo menos, por enquanto, permanecendo o silêncio obsequioso que adotaram. Este silêncio, entretanto, está provocando situações preocupantes. Nos programas dos candidatos presidenciais pouco se diz a respeito das Forças Armadas.

Como se não fossem bastantes as ações unilaterais da Comissão da Verdade, agora surge o parecer enviado ao STF pelo Procurador-Geral da República defendendo a revisão da interpretação atual da Lei da Anistia. Quanto a esta nova interpretação  ― contrária à definição propalada pelo STF em 2010 ―  é de se perguntar se ela também abrangerá os diversos crimes praticados pelos radicais de esquerda, muitos deles imprescritíveis.

A continuar esta exclusão e atitudes revanchistas flagrantes, as Forças Armadas, em 2015, também poderiam participar da Marcha dos Excluídos, realizada em várias capitais do país logo após os desfiles do Sete de Setembro. Poderiam expor suas apreensões, anseios e vindícias, como protesto contra as ações deletérias que vem sofrendo.

É ainda pertinente falar do controverso Decreto  8243/2014  ― também chamado de bolivariano ―  elaborado pelo atual governo e que será analisado pelo Congresso. Ele abre as portas para o ingresso de reais "sovietes” no Ministério da Defesa e, em consequência, em nossas Forças Armadas. O citado decreto consta dos programas das duas candidatas que lideram as pesquisas, e é uma das principais orientações dos intelectuais gramcistas do Fórum de São Paulo.

Em nosso país, para aqueles que não viveram o período que antecedeu o Movimento de 64, políticos inescrupulosos fomentaram a divisão entre oficiais e praças de nossas Forças, objetivando ferir frontalmente os princípios basilares das instituições militares: a disciplina e a hierarquia. Estas ações desagregadoras foram decisivas para a atitude adotada pelos líderes militares da época.

Espera-se que nossas autoridades políticas estejam atentas para os fatos assinalados e que atendam os clamores de nosso povo. Ou, então, tempos incertos e de descrenças estarão presentes em nossas instituições. E aí a nossa democracia estará inexoravelmente fragilizada.

Gen Ex R/1 Rômulo Bini Pereira