quarta-feira, 11 de junho de 2014

Risco Moral

Folha  de S. Paulo, 11 de junho de 2014.

Punições descarriladas

Predileção nacional por multas pesadas que nunca são cumpridas estimula a insistência nos abusos, como na greve dos metroviários 

A ilegalidade compensa. Não há outra conclusão a extrair do fato de que a Justiça do Trabalho raramente arrecada as multas que ela própria aplica aos sindicatos que promovem greves julgadas abusivas, como no caso da paralisação do metrô de São Paulo.
No domingo (8), o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) determinou a volta dos metroviários e engenheiros do metrô ao trabalho. Impôs também a seus sindicatos multas que superam R$ 1 milhão.
O valor soa suficientemente oneroso para desincentivar, como deve ser, a leviandade com que metroviários (e também motoristas de ônibus) têm abusado de recurso que deveria ser o último, mormente em serviços essenciais.
No entanto, entrou na moda paralisar a maior cidade do país com a finalidade de obter vantagens salariais. Copa do Mundo e eleições oferecem, sem dúvida, oportunidade única para pressionar governantes e empregadores. Mas isso não isenta os grevistas de observar limites em seus movimentos.
Um deles é a garantia de atendimento mínimo à população, e isso não ocorreu no caso do metrô. Ao contrário, moradores da Grande São Paulo se viram imensamente prejudicados, muito embora não tivessem nada a ver com as disputas trabalhistas. Em certo sentido, foram transformados em reféns.
Os desembargadores, portanto, não tinham como chegar a outro veredicto. Em aberto desafio ao Poder Judiciário, contudo, o sindicato dos metroviários manteve a greve. Só a interrompeu quando ela já se esvaziava --e após o Metrô demitir 42 grevistas. As multas, ao que parece, não assustam mais ninguém.
A razão é óbvia, como mostrou reportagem desta Folha: o próprio Tribunal Superior do Trabalho, após avaliar recursos judiciais, suspende as punições pecuniárias. A última multa aplicada pelo TRT aos metroviários, em 2007, de R$ 200 mil, terminou dessa forma excluída pelo TST dois anos depois.
Campeia, assim, o que em literatura econômica se chama de "risco moral": as frequentes exceções às normas incitam seu descumprimento. Sai mais barato arriscar do que obedecer. Essa é a praxe no Brasil, e não só no Judiciário.
Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) demonstrou que a praga assola também o Executivo. De 2008 a 2012, 1,4 milhão de multas lavradas por 17 órgãos federais arrecadaram R$ 2,7 bilhões de um total de R$ 46,8 bilhões (ou risíveis 5,8%).
Claro está que os autuados, todos, têm direito de recorrer das sentenças, mesmo porque elas próprias podem ser exageradas. As leis deveriam ser mais objetivas nos critérios para a aplicação de multas, de maneira a restringir o poder discricionário de quem as decide.
A análise dos recursos, no entanto, tem de ser mais expedita e não pode dar margem ao deplorável jogo de aparências em que o poder público faz pose de rigoroso e ninguém resulta de fato punido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário