segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Sumiço de esqueletos



Folha de S. Paulo, 1 de setembro de 2013.

Ossadas achadas no Araguaia em 2001 somem em Brasília

Esqueletos com indícios de violência desenterrados do cemitério de Xambioá podem pertencer a guerrilheiros
Restos mortais foram entregues ao IML de Brasília e depois à UnB; no seu lugar surgiram ossadas de crianças
LUCAS FERRAZ DE SÃO PAULO Ossadas com indícios de serem de guerrilheiros executados pelo Exército durante a guerrilha do Araguaia desapareceram em Brasília.
Trata-se de um conjunto de cinco ossadas e um crânio localizados e desenterrados do cemitério de Xambioá (TO) em uma expedição realizada em outubro de 2001.
Os esqueletos tinham inequívocos sinais de violência: um estava sem as mãos, e outro estava com os braços para trás. Havia ainda ossos acomodados em lonas e com indicações de estarem amarrados por cordas --o que poderia caracterizar a condição de prisioneiro.
A Folha teve acesso a relatório assinado por quatro peritos do INC (Instituto Nacional de Criminalística), de novembro de 2012, que fez um inventário das 25 ossadas retiradas da região e que estão hoje em Brasília, à espera de exames de DNA.
No lugar das ossadas encontradas na expedição de outubro de 2001, a Polícia Federal identificou restos mortais de quatro crianças.
O caso surpreende pelo mistério: nunca, em nenhuma busca por corpos na região onde ocorreu a guerrilha do Araguaia, foram recolhidas ossadas de crianças.
A intriga aumenta pela ausência de pistas do local onde o material se perdeu (as ossadas circularam por vários órgãos federais em Brasília até irem para a UnB, em 2009) e muito menos quando.
O sumiço das cinco ossadas e do crânio foi percebido por Diva Santana, integrante da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos que acompanhou a expedição em 2001, ao ver o inventário da Polícia Federal.
Irmã e cunhada de dois guerrilheiros mortos no conflito, ela diz ter ficado "chocada" com o aparecimento dos esqueletos das crianças.
As buscas realizadas há 12 anos foram organizadas pelo então deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), como representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Ele, sua assistente à época, Myrian Alves, e familiares que acompanharam a expedição confirmaram que nenhuma criança foi exumada. "As ossadas foram entregues para o IML de Brasília. Depois, não sei o que aconteceu", disse Greenhalgh.
O IML também não tem explicação. O perito José Eduardo Reis, responsável por analisar as ossadas em 2001, aposentou-se. A reportagem e os envolvidos na busca não conseguiram localizá-lo.
MISTÉRIO NA JUSTIÇA
Organizada pelo PC do B, a guerrilha do Araguaia (1972-74) foi o maior conflito entre a esquerda armada e militares durante a ditadura (1964-85). Cerca de 70 guerrilheiros foram executados pelo Exército, alguns sumariamente e após se entregarem.
Desde o início da década de 80, expedições são realizadas na tentativa de localizar os desaparecidos. Somente dois guerrilheiros foram identificados até hoje.
As buscas de 2001 ocorreram em duas etapas, em outubro e, por fim, novembro. A equipe seguia pistas do coronel Pedro Corrêa Cabral, que disse ter transportado corpos de guerrilheiros.
Em outubro foram exumadas as cinco ossadas e o crânio hoje desaparecidos. O material chegou a ser registrado na imprensa e em fotos dos integrantes da expedição. Na última fase das buscas, foram exumados três corpos que, estes sim, constam no inventário da Polícia Federal.
Como faltam respostas, caberá à Justiça tentar decifrar o mistério. No próximo dia 10, a juíza Solange Salgado, da Justiça Federal de Brasília --que condenou a União pela ausência de respostas na busca pelos desaparecidos no Araguaia--, vai ouvir em audiência todos os envolvidos.

Folha de S. Paulo, 1 de setembro de 2013.

Órgãos oficiais não sabem explicar sumiço das ossadas do Araguaia
DE SÃO PAULO Descaso e falta de estrutura são apontados por autoridades como causas do sumiço de ossadas da região onde ocorreu a guerrilha do Araguaia. Elas foram reunidas em 2009 e encaminhadas ao Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB).
Os restos mortais fizeram um périplo por órgãos --muitas vezes armazenados em caixas de biscoito ou de macarrão--, incluindo o Instituto Médico Legal, a Câmara dos Deputados, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos. Às vezes, os esqueletos ficavam espalhados em diferentes endereços.
"É um absurdo o que aconteceu", disse Diva Santana.
Três instituições têm acesso aos ossos: a própria UnB, o IML e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Todos dizem não saber o que houve. "Não estou sabendo de nada", disse Marco Antônio Barbosa, presidente da comissão.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência (SDH) diz não ter "elementos para comprovar o desaparecimento" e afirmou ter solicitado à Justiça a devolução dos restos mortais de crianças ao cemitério de onde foram tiradas, por não terem relação com a guerrilha. Diz também que as ossadas estão guardadas seguindo "padrões internacionais".
"O que está acontecendo é gravíssimo. Esperamos por respostas", disse Victoria Grabois, que perdeu o pai, irmão e o primeiro marido no Araguaia.

Folha de S. Paulo, 2 de setembro de 2013.

Comissão da OAB diz que sumiço de ossadas em Brasília é 'inaceitável'

DE BRASÍLIA - O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, classificou de "inaceitável" o desaparecimento de ossadas retiradas da região em que aconteceu a guerrilha do Araguaia (1972-74), o maior conflito entre a esquerda armada e militares da ditadura.
Conforme revelou a Folha ontem, cinco ossadas e um crânio localizados, em 2001, em Xambioá (TO), desapareceram em Brasília.
"É inaceitável que uma coisa dessas aconteça", afirmou, em nota, Wadih Damous, que também preside a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.
"Esse episódio demonstra que existem segmentos do Estado brasileiro que não querem revelada a verdade dos fatos da guerrilha do Araguaia e de todos os outros ocorridos na ditadura militar", diz a nota.

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