segunda-feira, 8 de julho de 2013

Nada no plebiscito sobre segurança pública e relação civil-militar

Folha de S. Paulo, 8 de julho de 2013.

Marcos Augusto Gonçalves
A violência esquecida
Que relação haveria entre o assassinato brutal do menino boliviano e a truculência nos protestos?
Era noite junina, a fogueira ardia na praça da Vila Madalena, a sanfona tocava bailinho, músicos se revezavam ao violão, o quentão circulava com seu cheiro de gengibre e a prosa do arraial, claro, não poderia ser outra. As manifestações, a aparição dourada e marqueteira da presidente na TV, as tentativas de entender o que estava se passando.
Repetiam-se as dúvidas e as hipóteses conhecidas, quando alguém, considerando que as coisas no Brasil estavam piores do que a propaganda oficial tentava fazer crer, citou o assassinato de um menino boliviano, em São Paulo, que tinha ocorrido naquele dia.
Talvez fosse forçar um pouco a barra trazer para a conversa sobre as insatisfações difusas das ruas o crime bárbaro contra uma criança indefesa, filha de estrangeiros pobres explorados por nosso subimperialismo sorridente.
Mas talvez não fosse.
Primeiro, porque não se trata de um caso isolado. Presenciamos uma sinistra escalada criminosa. Vítimas de assaltos são incendiadas, pessoas desarmadas são mortas no meio da rua. Depois, porque foi um aspecto importante, presente do início ao fim nas manifestações, tanto com as agressões dos chamados vândalos ("alguém precisa fazer uma letra de música com essa palavra", sugeri a amigos compositores no arraial) tanto com a intervenção desproporcional da polícia em São Paulo, um ponto de inflexão na dinâmica das ruas.
Como notou o sociólogo Luiz Eduardo Soares, as movimentações embora não apresentassem uma plataforma unificada, mantiveram uma conexão metonímica com algumas questões centrais para o Brasil. E uma delas certamente é a violência.
A presidente Dilma Rousseff, contudo, em sua tentativa canhestra de responder ao que acha que ouviu das ruas esqueceu o assunto. Normal. Entra governo, sai governo, as políticas públicas nessa área vão se arrastando ao sabor de medidas parciais, no plano estadual.
Os números são enfáticos. Vivemos num dos país que comete 50 mil homicídios dolosos por ano (mais 90% dos quais permanecem sem esclarecimento) e já temos a terceira população carcerária do planeta, atrás de Estados Unidos e China. Pesquisas mostram que os novos presos são na maioria jovens pobres, predominantemente negros, de baixa escolaridade, envolvidos com venda de drogas. Não devem ter conseguido vaga no call center pra trabalhar e comprar uma moto em 72 prestações. Ou não se alistaram na polícia.
É evidente que a violência tem causas múltiplas, mas um projeto nacional para enfrentá-la tem de prever a reforma das polícias. É preciso mudar o modelo herdado da ditadura e romper a amarra constitucional que praticamente impõe duas corporações concorrentes sob jurisdição estadual.
Num post no Facebook, do qual compartilho um trecho aqui, Soares levantou a questão, sempre incômoda: "A classe média descobriu a brutalidade policial, que os pobres e negros nunca ignoraram. Polícia tornou-se um dos temas-chave, nas ruas. Por que a presidenta omitiu o debate em torno da mudança do modelo policial, que envolve a desmilitarização, e que vem sendo adiada desde a transição democrática? É urgente estender a transição à segurança pública. O silêncio oficial tem sido cúmplice de milhares de execuções extrajudiciais, de torturas, violações cotidianas, inclusive contra os próprios policiais."

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