quarta-feira, 17 de julho de 2013

Levy: desordem ou ditadura

Desordem ou ditadura

Autor(es): Sylvain Levy
Correio Braziliense - 17/07/2013
 

Os analistas do governo ainda não se deram conta de que os protestos contra Dilma e seu governo começaram em 18 de maio passado, quando houve a corrida para sacar o dízimo pago pelo governo aos participantes do Bolsa Família. Naquele momento, uma informação transmitida boca a boca, fone a fone ou mail a mail transformou o que seria um saque periódico numa corrida à Caixa Econômica. Sem articulação, sem provocação, sem outras intenções que não as de garantir seus recursos essenciais, a população enviava um duro recado aos gestores de seus recursos e de suas esperanças. "Nós desconfiamos de vocês. Nós não estamos acreditando em vocês."
Numa liberdade histórica e traçando um paralelismo, pode ser lembrado outro dia 18, esse de 1799.018 de Brumá-rio, de Napoleão Bonaparte. Passados 10 anos do início da Revolução Francesa, a França vinha sendo governada por um colegiado de líderes — o  Diretório—e o país sofria com revoltas internas, além de uma ameaça real de invasão por parte de outros países europeus. 018 de Brumário foi um golpe de Estado que representou o fim da Revolução Francesa e a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder.
Duas semanas depois do 18 de maio de 2013, começam os protestos populares, tão espontâneos como os daquele dia, porém muito mais organizados, pois, a internet permite marcar dia, hora e local e disseminar palavras de ordem multiusuárias que não apenas "saquem seu dinheiro".
O que estava contido nas mentes e gargantas ganhou ação e voz. Não era mais o público-alvo do Bolsa Família, mas a família brasileira que saía às ruas para mandar seu recado. E o recado era como aquele dado à luta pela anistia, no fim dos anos 1970: "Amplo, geral e irrestrito". Esse recado, assim como o anterior, era dirigido à presidente e a atingia naquilo que ela mais preza (ou diz prezar, pois foi assim "apresentada" pelo seu criador): a competência como gestora.
A população não aceita o aumento de custo de passagens por não poder pagar esse acréscimo, por considerar que os serviços não valem o que custam, por não acreditar que a carestia, acompanhada todos os dias nos supermercados, tem relação com os índices de inflação divulgados, por não acreditar que o dinheiro público não está sendo usado para construir estádios e obras para as Copas de futebol e as Olimpíadas e por acreditar que esses recursos poderiam ser mais bem aplicados em outros setores. A população também não acredita, porque não consegue ver e sentir, nas melhorias anunciadas para os diversos setores da sua vida cotidiana.
Foi inculcado na população que a presidente é a mãe do/no governo e, desse modo, existe uma sensação generalizada d.e que ela é responsável pelos seus "filhos" ministros e respectivos atos. Dilma deve estar envergonhada das mentiras do filho Mante-ga, sobre aumento do PIB e diminuição da inflação; deve se sentir incomodada com os arroubos de criatividade (constituinte e plebiscito) do "o ministro Mercadante, que não conseguem empolgar a realidade; e com a reação ao projeto Mais Médicos, que, sem duvida alguma, deveria ter sido batizado como Mais Saúde e recebido outra semeadura.
Assim, o governo e seu ícone, a presidente, eram atacados na característica mais endeusada: a capacidade de gerenciar. Não foi por outra razao que os índices de popularidade de Dilma e de confiança no governo desabaram. A população passou a desacreditar, e a crise de credibilidade que se desenhou em 18 de maio se concretizava em junho.
Mas ela não vinha só em palavras e àtos de protestos. Veio acompanhada de violência e desobediência civil. Enfrentamentos, choques, lutas, badernas e saques. Bloqueios de ruas, avenidas e, logo a seguir, de estradas. O Dia Nacional de Protesto, convocado por entidades sindicais e outras instituições formais, mesmo não trazendo muita gente às ruas, ajudou a evidenciar o descontentamento generalizado.
Os protestos, passeatas e bloqueios têm provocado incômodos tanto ao govemo como às comunidades, embora o apoiamento dessas tenha sido bastante contínuo e expressivo, mas o que tem assustado a todos é a violência e a possibilidade de baderna, o que tem conduzido a uma sensação de desgoverno ou de sem govemo.
Não é preciso ser uma pitonisa experiente para saber que os protestos arrefeceram, mas aquilo que lhes deu motivo continua a existir. Os políticos não conseguem dar uma resposta satisfatória às exigências das ruas, embora tentem enganá-las, fazendo de conta que votam o que foi demandado. Os go-vemos, idem, fabricando falsas ações e propondo o céu logo adiante, quando as reclamações são terrenas, do aqui e agora. Com essa inflação, essa saúde, essa educação e esse transporte, ninguém sabe quem e como se sobreviverá em curto prazo, e o desespero nunca foi conselheiro para temperança. Nessa toada, a estrada se bifurca perigosamente à frente. Uma vertente leva à desordem e outra à ditadura.

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