quinta-feira, 30 de maio de 2013

A polícia como parte do problema e não da solução

Folha de S. Paulo, 30 de maio de 2013.

Lei mais rígida já existe

Clóvis Rossi


Falta que as autoridades admitam o que é óbvio: o Brasil vive uma grave pane de segurança
Quer dizer, então, que o Congresso está examinando o aumento das penas para chefes do narcotráfico?
Parabéns, mas é tarde e nem seria necessário se as autoridades saíssem de sua letargia e aplicassem uma lei já existente, com punições mais severas do que as que estão em discussão no Congresso.
Trata-se, me informa um leitor, advogado que prefere manter o anonimato, da lei 7.170/83, que define crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, entre outras coisas.
Segurança nacional, ah, que horror, dirá logo você, que é incapaz de pensar fora do quadradinho.
Sim, segurança nacional. Não a dos tempos da ditadura, em que o Estado se dizia ameaçado pelos grupos armados --o que não era bem verdade, mas não é a discussão em causa. Segurança nacional definida como ameaça não ao Estado, mas à sociedade (que, naqueles velhos tempos, era ameaçada pelo Estado).
Que há uma emergência em matéria de segurança pública não dá para negar. A estatística é contundente: a taxa de homicídios por 100 mil habitantes no Brasil duplica a que a comunidade internacional considera ser epidêmica.
O artigo 12 da 7.170 estabelece pena para quem introduza no país armas ou material militar privativo das Forças Armadas (reclusão de 3 a 10 anos, pena que se aplica também a quem, "sem autorização legal, fabrica, vende, transporta, recebe, oculta, mantém em depósito ou distribui o armamento ou material militar" de que trata o artigo).
Preciso dizer que boa parte dos criminosos usa material privativo das Forças Armadas?
Já o artigo 15 prevê de 3 a 10 anos de reclusão para quem "praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres".
Preciso dizer que os ataques a ônibus cabem nesse artigo, como cabem os atentados contra caixas eletrônicos, já que o parágrafo 1º aumenta em 50% a pena no caso de dano a, por exemplo, "serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou economia do país"?
A lei, portanto, está aí, com penas mais rigorosas que as habitualmente aplicadas (na verdade, não aplicadas, já que a impunidade é regra e um dos combustíveis que impulsiona a criminalidade).
Basta que as autoridades admitam o que é óbvio: há uma grave crise de segurança pública no Brasil.
Mas é bom deixar claro que penas, leves ou rigorosas, se tornam inócuas se não houver antes a transformação do aparelho policial. Não adianta o tipo de punição se poucos criminosos, comparativamente ao volume dos crimes, são levados aos tribunais. Com perdão pela obviedade, antes da pena tem que haver a prisão e a comprovação efetiva do crime praticado.
A polícia francesa conseguiu, em quatro dias, identificar o homem que atacou um soldado no sábado. Quantos dos que vira e mexe atacam ônibus são identificados? A polícia tem que ser parte da solução, não do problema.

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