quarta-feira, 14 de março de 2012

Folha de S. Paulo, 14 de abril de 2012 (editorial)

Desequilíbrio perene


Congresso tem de seguir Constituição com as medidas provisórias, determina STF em decisão confusa, sem dobrar-se diante do Planalto 

O STF (Supremo Tribunal Federal) agiu sem a ponderação que se espera dele ao declarar inconstitucional medida provisória que criara o Instituto Chico Mendes.
A decisão punha sob risco de anulação outro meio milhar de medidas emanadas do Executivo. No dia seguinte, diante da má repercussão e da insegurança jurídica, o Supremo reconsiderou a questão.
Pode-se criticar o STF pela primeira decisão, nunca pela segunda (melhor emendar-se que persistir no erro). E, menos ainda, por pretender sanar uma contínua afronta à Constituição pelo Congresso.
Não é ocioso lembrar que a iniciativa de legislar cabe ao... Legislativo. No Brasil, onde o equilíbrio entre Poderes é ficção, ela costuma ser usurpada pelo Executivo.
A Constituição de 1988 facultou à Presidência da República o recurso das medidas provisórias para os casos de urgência e relevância em que o demorado trâmite usual no Congresso traria dano público.
O que era para ser exceção tornou-se regra. O abuso reminiscente dos decretos-lei da ditadura militar só foi contido em 2001, com a emenda constitucional nº 32, que limitou o escopo das MPs e fixou prazo para sua conversão em lei, após o qual perdem eficácia.
Cabe ao Senado e à Câmara compensar a voracidade do Planalto com o que lhes prescreve a própria Carta para medidas provisórias: juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais, como as mencionadas urgência e relevância.
O artigo 62 estipula com clareza meridiana: "Caberá à comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso".
Pois é isso o que não vinha ocorrendo. Dezenas de medidas seguiam diretamente para votação dos parlamentares, que, de modo subserviente, aprovam quase tudo o que a todo-poderosa Presidência envia para deliberação. O Congresso raramente se levantou para denunciar, com atos, a óbvia falta de urgência (quando não de relevância) de várias medidas.
Menos mal que o terceiro Poder da República, na figura de sua Corte Suprema, tenha reagido contra tal descaso (ainda que com incaracterística falta de cuidado).
Erra mais ainda o deputado petista Cândido Vaccarezza -que terá perdido o posto de líder do governo na Câmara por deslizes outros- ao vociferar que "o Supremo não pode se meter nesse assunto". Pois é precisamente na ausência desses contrapesos que se desequilibra a República.

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