domingo, 11 de dezembro de 2011

Impunidade e democracia


Folha de S. Paulo 11 de dezembro de 2011.
Santiago A. Canton 


Impunidade e democracia


Celebramos o fato de que cada vez mais países aceitam que o combate à impunidade por violações de direitos humanos é um pilar vital da democracia
A aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, impulsionou uma das mudanças de paradigma mais importantes na história da humanidade, ao reconhecer os direitos de todos os seres humanos "sem distinção alguma de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outro tipo, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição".
Esse foi o primeiro passo na construção de uma estrutura jurídica universal que aspirava acabar com milhares de anos de injustiças para milhões de pessoas. Foi um momento histórico em que prevaleceu um espírito de grandeza e esperança.
Hoje, 63 anos depois, sabemos da dificuldade em realizar os ideais expressos em Paris: "O surgimento de um mundo em que todos os seres humanos, libertados do medo e da miséria, desfrutem da liberdade de expressão e da liberdade religiosa".
Nossa própria história nos deixou uma boa lição. Os países da América Latina tiveram um papel central na aprovação da Declaração Universal e na incorporação nela de algumas das normas mais importantes. Apenas oito meses antes da adoção da Declaração Universal, nossa região tinha adotado em Bogotá a Declaração Americana, reconhecendo os direitos humanos de todos os habitantes deste continente.
Lamentavelmente, esse espírito não durou muito tempo. Anos mais tarde, a América Latina introduziu a palavra "desaparecido" no dicionário jurídico; as democracias foram substituídas por ditaduras, e os massacres e torturas se converteram em moeda corrente.
A região tem uma história pendular de democracia e direitos humanos, por um lado, e de massacres e ditaduras, por outro. A partir dos anos 1980 começou uma etapa de desenvolvimento democrático que, salvo exceções isoladas, vem fazendo o pêndulo voltar-se para o lado democrático como nunca antes em nossa história. Mas essa mesma história pendular nos obriga a persistir na construção de condições que nos impeçam de oscilar outra vez em direção ao autoritarismo.
São muitos os fatores necessários para a construção de um Estado de Direito sustentável. Mas existe um que é indispensável: a justiça pelas violações dos direitos humanos e pela destruição do sistema democrático. A impunidade corrói a sociedade como um todo e constrói sociedades injustas, desiguais, discriminatórias, em que o ideal de progresso e igualdade é superado por estruturas de poder formais e informais que protegem e beneficiam os setores mais favorecidos e prejudicam os mais vulneráveis.
Nesse oceano de impunidade, o fator que provoca maior dano é aquele que impede que sejam punidas as pessoas que reinaram sobre a vida e a morte dos latino-americanos e destruíram a democracia. A impunidade que protege os que assassinaram e torturaram milhares de pessoas e proibiram os povos de decidir seu próprio destino.
Em nossa região, estão sendo dados passos muito positivos para pôr fim a essa impunidade. Por meio de leis e processos históricos, nacionais e internacionais, foram abertos processos contra as pessoas acusadas de graves violações dos direitos humanos. A Argentina anulou completamente as leis de anistia e se encontra em um processo, verdadeiro exemplo para o mundo, em que está levando a julgamento todos os responsáveis pelas violações dos direitos humanos.
Neste novo aniversário do Dia Internacional dos Direitos Humanos, podemos comemorar o fato de que são cada vez mais os países que aceitam que o combate à impunidade por violações dos direitos humanos é um pilar fundamental da democracia e do Estado de Direito.
A busca incansável por justiça para as vítimas de direitos humanos assentou as bases para um Estado de Direito duradouro. Mas não podemos descansar. Nossa história ensina que o que está em jogo é importante demais e que o pêndulo não se detém facilmente.
SANTIAGO A. CANTON é secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

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