sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Chile e Brasil

Folha de S. Paulo, 2 de dezembro de 2011.


Moisés Naím
Uma conversa com Piñera
'Compreendo as motivações dos estudantes que estão protestando', disse-me o presidente chileno
Por que, em um dos países mais bem-sucedidos do mundo, as pessoas estão tão insatisfeitas? Os chilenos deveriam estar festejando, não protestando: a pobreza caiu de 45% em 1990 para 14% hoje.
Duas décadas de crescimento econômico, mais empregos e melhores salários contribuíram para o progresso social. A inflação, que sempre afeta mais os mais pobres, caiu de 27% ao ano em 1990 para 3%.
Em quase qualquer ranking de países, o Chile se situa entre os primeiros lugares (e em quase todas as listas é o número um da América Latina): pouca corrupção, bom desenvolvimento humano, competitividade internacional, liberdade econômica, conectividade e muitos outros fatores. No entanto, já faz meses que acontecem protestos nas ruas.
Na semana passada fiz uma visita ao Chile e tive a oportunidade de conversar com o presidente Sebastián Piñera sobre o paradoxo do êxito econômico e mal-estar social.
"Compreendo as motivações dos estudantes que protestam", disse-me o presidente. "O Chile se concentrou em aumentar rapidamente o acesso à educação, e nos descuidamos da qualidade. Também há um problema com os custos da educação e em que proporção devem ser cobertos pelo Estado."
Piñera elevou o orçamento para a educação e está tentando reformar o sistema, mas me disse: "Entendo que o mal-estar dos chilenos vai mais além da educação". De acordo com o Latinobarómetro, o Chile é o país latino-americano em que a percepção do progresso sofreu a maior redução.
Também é o país onde mais diminuiu a satisfação com a maneira como a democracia vem funcionando, e há forte redução do apoio ao modelo econômico. Por quê?
A história, a política e a cultura obviamente moldam a situação. Mas existem dois fatores que me parecem evidentes: o crescimento da classe média e a desigualdade econômica. A expansão da classe média gera exigências às quais poucos governos conseguem responder com a rapidez e agilidade necessárias.
A conversa que tive com um estudante chileno que participa dos protestos foi muito reveladora: "Minha família sempre foi pobre e agora somos classe média. Mas o governo já não faz nada por nós: se concentra em ajudar os mais pobres ou os mais ricos. Nada para nós, os do meio."
E isto também está relacionado à desigualdade. Como o Brasil, o Chile tem um índice altíssimo de desigualdade econômica. E esse tema apareceu em todas as conversas que tive durante minha visita. É óbvio que no Chile e em outras partes do mundo a convivência pacífica com a desigualdade acabou.
Hoje, reduzir a desigualdade mais rapidamente é uma prioridade que os estudantes chilenos trouxeram para a conversa nacional. O país está em dívida com eles por isso.
Resta ver se o governo, os estudantes e o resto da sociedade chilena conseguirão fazer mudanças que ataquem a desigualdade econômica sem afetar as outras conquistas do país. O Brasil -e outros países- têm essa mesma meta. É possível que, também nisso, venham do Chile algumas lições úteis para o resto do mundo.

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