sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O novo mapa da violência

O Estado de S. Paulo, 30 de dezembro de 2011.

O novo Mapa da Violência

Elaborado pelo Instituto Sangari em parceria com o Ministério da Justiça, o Mapa da Violência 2012 mostra que o País não vem conseguindo reduzir os crimes contra a vida. Entre 2000 e 2010, a taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes se manteve estável, oscilando entre 26,2 e 26,7. E, nos últimos trinta anos, período em que foi assassinado cerca de 1,1 milhão de pessoas, ela cresceu 124%.
Em 1980, a taxa era de 11,7 homicídios por 100 mil habitantes. Em 2010, ela chegou a 26,2. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), taxas superiores a 10 homicídios por 100 mil habitantes configuram "violência epidêmica". "É como se tivéssemos matado, em três décadas, uma cidade inteira com uma bomba atômica", diz o coordenador do levantamento, Júlio Jacobo Waiselfisz. Para ter ideia da tragédia, só 13 municípios brasileiros têm população acima de 1 milhão de habitantes.
O levantamento é realizado anualmente com base em dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde e do Sistema de Informação Estatística da OMS. Nas últimas edições, o estudo mostrou que, apesar de as taxas de homicídio terem permanecido estáveis ao longo da década de 2000, as ocorrências vinham se deslocando do Sul e Sudeste para o Norte e Nordeste e dos grandes centros urbanos para pequenas e médias cidades do interior.
O levantamento de 2010 mostrou que a tendência de desconcentração e interiorização da violência continua. Em São Paulo, por exemplo, a taxa de homicídios caiu de 42,2 para 13,9 entre 2000 e 2010 - uma redução de 67%. No início da década, São Paulo tinha a 4.ª pior taxa do País. Em 2010, tinha a terceira melhor, ficando atras apenas do Piauí e de Santa Catarina. E, no Rio de Janeiro, a taxa caiu de 51 para 26,2, na década. No mesmo período, contudo, Alagoas assumiu o primeiro lugar no ranking de crimes mais violentos, seguido pelo Espírito Santo, Pará, Pernambuco, Amapá, Paraíba e Bahia. Nestes Estados, a situação é considerada crítica pelo Mapa da Violência. Entre 2000 e 2010, os homicídios cresceram 329,7% no Maranhão e 332,4% na Bahia.
As mudanças também são expressivas quando consideradas somente as capitais. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a taxa de homicídio em 2010 foi de 13 por 100 mil habitantes, depois de ter chegado em 2000 a 64,8, o que representa uma queda de 79,9%. No mesmo período, a taxa de homicídios em Maceió passou de 45,1 para 109,9, por 100 mil habitantes, e a de João Pessoa pulou de 37,8 para 80,3.
O Mapa da Violência também registra uma tendência de crescimento dos índices de crimes violentos entre a população com idade entre 15 e 24 anos - o equivalente a 18,6% da população brasileira. Em 2010, foram mortas 201 mil pessoas nessa faixa etária. A taxa de homicídios entre jovens é o dobro das taxas relativas a outras faixas etárias. Na década, aumentaram em 11,1% os homicídios de jovens.
A tendência de deslocamento da violência tem sido atribuída por especialistas ao surgimento de novos polos de crescimento econômico no País. Eles emergiram com força e peso no Nordeste, o que atraiu o narcotráfico e crimes correlatos, como a formação de milícias e de esquadrões de extermínio. Nessa região, marcada pelas disparidades de renda e pelo analfabetismo, os Estados são muito deficientes, em matéria de programas sociais e de segurança pública. Já os Estados onde houve redução das taxas de violência, segundo o estudo, foram aqueles que investiram na reforma das polícias, adotaram políticas comunitárias, melhoraram a qualidade dos serviços essenciais e levaram a sério a campanha de desarmamento.
O Mapa da Violência é um instrumento importante para a formulação de políticas que combinem programas sociais, melhoria de serviços públicos para setores carentes e estratégias mais eficientes de combate à criminalidade. Mas, para que essas políticas produzam os efeitos desejados, é preciso que os Estados e a União as implementem com determinação.

Exército e polícia

Folha de S. Paulo, 30 de dezembro de 2011 (editorial)
Exército e polícia

Um jovem de 15 anos foi morto durante aparente troca de tiros entre criminosos e militares do Exército, na favela do Caracol, na zona norte do Rio. Pela versão oficial, a vítima encontrava-se em companhia de dois suspeitos, que teriam atacado uma patrulha a tiros.
Já moradores do local afirmam que não houve confronto e que o adolescente estava a poucos metros de sua casa quando foi atingido.
Foi aberto processo administrativo para apurar o caso.
O episódio é mais uma evidência dos riscos a que se expõe o Exército ao desempenhar papel de polícia nos complexos de favelas do Alemão e da Penha. Se de início a presença da força se anunciava temerária, o quadro só se agravou com a prorrogação do prazo da missão.
A tomada desses complexos, em novembro de 2010, foi comemorada como um marco da reconquista de territórios dominados por traficantes na capital fluminense.
A operação foi realizada, entretanto, em condições improvisadas. Precipitada por ataques de criminosos, a ocupação não seguiu o roteiro bem-sucedido de outras ações similares. Com dificuldades para instalar UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) naqueles complexos e manter o controle territorial, o governo do Estado decidiu recorrer ao apoio do Exército.
A presença militar, defensável naquelas circunstâncias, deveria ter sido encerrada em outubro -quando as UPPs estariam instaladas. As autoridades, entretanto, não cumpriram o anunciado e obtiveram a extensão do prazo até junho de 2012.
Não se desconhecem as dificuldades inerentes à pacificação dessas áreas, mas já transcorreu tempo suficiente para que se providenciasse uma solução definitiva.
Ao exercer papel de polícia em contato permanente com o tráfico, o Exército corre o risco de ser contaminado pela corrupção e de cometer abusos contra a população. O recurso às Forças Armadas em missões desse tipo deve submeter-se às prescrições constitucionais e ser o mais breve possível.
Como esta Folha tem defendido, é preciso que a Força Nacional de Segurança Pública, composta, sobretudo, por policiais estaduais, funcione como uma espécie de Polícia Militar da Federação.
A corporação já existe, mas precisa ser treinada, bem equipada e estar pronta para agir em situações de emergência, como a verificada no Rio. A prioridade do Exército e das Forças Armadas é zelar pela segurança nacional.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

crime organizado migra para roubos

Crime organizado migra para roubos, afirma delegado
27 Dez 2011

Outro lado

DE SÃO PAULO


O aumento dos roubos e furtos de veículos em São Paulo tem relação direta com o crime organizado, que busca fazer capital para comprar drogas e armas.
Essa é a análise do chefe da Polícia Civil paulista, delegado Marcos Carneiro Lima, para explicar por que, entre janeiro e novembro deste ano, 21,3 veículos por hora, em média, foram alvo de ladrões.
"Houve um aumento substancial na venda de veículos. Com isso, a criminalidade, que tem essa mobilidade para o que der mais lucro e de forma mais fácil, migrou para essa modalidade criminal que visa os veículos", disse.
"O furto e o roubo de veículo são hoje o núcleo da criminalidade organizada. Boa parte desses veículos é levada para outros Estados. E os lucros desses crimes acabam capitalizando o tráfico de drogas e de armas", afirma Lima.
"São 200 veículos recuperados a cada dia", diz o comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo.
"Em 2012 investiremos mais em tecnologia para combater o crime contra o patrimônio. Nosso plano é fazer com que, cada vez mais, o carro de polícia que estiver mais perto de onde ocorre um crime chegue para evitar a fuga dos criminosos."
Por conta dessa cadeia criminosa na qual veículos viram moeda para comprar drogas e armas, Lima reestrutura hoje o Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), setor da Polícia Civil especializado em combate ao crime organizado e contra o patrimônio.
Uma das mudanças no Deic é a criação de uma delegacia específica para combater a lavagem de dinheiro obtido pelo crime organizado.
Para Lima, outro crime que apresentou aumento (15,5% na comparação entre 2010 e 2011) e que tem relação direta com furto e roubo de veículo é o latrocínio (roubo seguido de morte).
"A maior parte das vítimas de latrocínio é morta dentro ou perto dos seus veículos. Quando conseguimos investigar e prender criminosos que têm foco nos veículos, também estamos combatendo os latrocínios", disse Lima.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Brasil fica atrás de seus vizinho na punição a torturadores


http://www1.folha.uol.com.br/bbc/1024423-brasil-fica-atras-de-seus-vizinhos-na-punicao-a-torturadores-diz-nyt.shtml

Brasil fica atrás de seus vizinhos na punição a torturadores, diz 'NYT'

DA BBC BRASIL
Os "fantasmas" do regime militar brasileiro mostram que, se o Brasil é um líder regional em termos econômicos, ele fica atrás de seus vizinhos quando se trata de punir autoridades responsáveis por torturas e assassinatos, afirma uma reportagem publicada nesta quarta-feira (21) no jornal "The New York Times".
De acordo com o texto, desde que a presidente Dilma Rousseff sancionou a criação da Comissão da Verdade (que investigará crimes cometidos durante a ditadura) e a Lei de Acesso a Informações Públicas (que limita o sigilo de documentos oficiais), os céticos se perguntam se o país está preparado para "lidar com os crimes do passado".
"O Brasil começou a encarar a possibilidade de que, no âmbito dos direitos humanos --diferentemente de assuntos econômicos e diplomáticos regionais--, o manto da liderança pode não vir tão facilmente, no fim das contas", diz a reportagem.
"Fantasmas do período militar, de 1964 a 1985, começaram a se mexer, revelando como o Brasil, embora uma potência emergente da América Latina e a quarta maior democracia do mundo, ainda fica atrás de seus vizinhos no que diz respeito a processar autoridades por crimes que incluem assassinatos, desaparecimentos e tortura."
O texto afirma que a Comissão da Verdade, que começa a trabalhar em janeiro, foi criticada tanto por militares --citando o caso de um oficial reformado que foi à Justiça contra a medida-- quanto das famílias das vítimas, que consideram o projeto "simbólico", já que os responsáveis por abusos continuam protegidos pela Lei da Anistia de 1979.
PENAS PESADAS
A reportagem do "NYT" diz que, enquanto países como Argentina, Uruguai e Chile aplicaram penas pesadas a militares que cometeram crimes, e até revogaram leis de anistia, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a Lei da Anistia de 1979 ainda é válida, embora ela seja considerada irregular pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos da OEA.
"Até aqueles intimamente familiarizados com as tentativas de lançar luz sobre o período militar do Brasil ficam frequentemente perdidos sem entender por que tal resistência é tolerada", afirma o texto, que lembra o fato da presidente Dilma Rousseff raramente fazer referências ao fato de ter sido presa e torturada enquanto era militante de esquerda, nos anos 1970.
Segundo a reportagem, uma "postura contra o escrutínio" ainda vigora entre os militares brasileiros, citando o fato de que a primeira iniciativa para criar a Comissão da Verdade, em 2009, levou os comandantes das Forças Armadas a ensaiar uma renúncia coletiva, junto do então ministro da Defesa, Nelson Jobim.
"Dada tal oposição, alguns aqui [no Brasil] temem que a Comissão da Verdade, que terá somente dois anos para completar seu trabalho de investigar e relatar os abusos dos militares, possa acabar sendo vítima do tempo, já que aqueles responsáveis por crimes estão diminuindo em número", diz o texto.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sem trégua contra o crime

Sem trégua contra o crime
19 Dez 2011

Visão do Correio


A Organização Mundial da Saúde considera epidêmico um índice de assassinatos igual ou superior a 10 por 100 mil habitantes. O Afeganistão, país em que a expectativa de vida é de 44,5 anos, conseguiu manter sua taxa aquém do limite da epidemia entre 2004 e 2007. Em pleno período de insurgência talibã, enquanto ali se caçava o grupo terrorista Al Qaeda, então liderado por Osama bin Laden, registrou 9,9. Nesse mesmo período, a média do Sudão (com história de mais de meio século de guerras civis) ficava em 8,8, e a do confronto israelo-palestino, em 8,3. Somados, os 12 maiores conflitos mundiais daqueles anos mataram 169,5 mil pessoas. Pois a ação de assassinos no Brasil conseguiu ser mais letal até que as armas de guerra, tendo feito 192,8 mil vítimas.
O dado é estarrecedor. Mas se torna ainda mais espantoso ao se fazer uma retrospectiva da situação. Afinal, 24 anos antes da faixa de tempo mencionada, em 1980, o Brasil já havia rompido a marca da OMS: 11,7 homicídios por 100 mil habitantes. Na década seguinte, mais do que dobrara o patamar: 22,2 em 1990. Em alarmante curva ascendente, se aproximou do triplo em 2003 (28,9). Apesar do ciclo desenvolvimentista e dos avanços sociais verificados a partir daí, o país deteve o crescimento do número de extermínios, mas ainda contou um homicídio a cada 10 minutos em 2010, com a taxa anual fechando em 26,2 por 100 mil pessoas. Nas últimas três décadas, a violência brasileira ceifou 1.091.125 vidas.
Até a bucólica imagem do sossego nas cidades interioranas sucumbiu diante das estatísticas. De 2000 para cá, a segurança pública colheu algum sucesso nas capitais e regiões metropolitanas, onde o índice de homicídios caiu de 43,2 para 33,6. Já no interior do país, houve um aumento de 46%, com a taxa pulando de 13,8 para 20,1. Ou seja, justamente os pequenos municípios sustentaram a taxa nacional nas alturas. Entre os estados da Federação, foi em Alagoas que mais se matou no ano passado (66,8 assassinatos por 100 mil habitantes). O ranking macabro segue com Espírito Santo (50,1), Pará (45,9), Pernambuco (38,8) e Amapá (38,7). O Distrito Federal aparece na 10ª posição, com média mais de três vezes superior à fixada pela OMS como parâmetro para determinar situação epidêmica: 34,2.
Elaborado pelo Instituto Sangari a partir de bancos de dados dos ministérios da Justiça e da Saúde, o Mapa da Violência 2010, divulgado na semana passada, não pode servir apenas para assustar ainda mais o cidadão. Em outubro, pesquisa do Ibope deu a medida de como a população está acuada. Oito em cada 10 brasileiros disseram ter mudado hábitos de vida nos 12 meses anteriores, preocupados com a própria segurança. Mais: 84% dos 2 mil entrevistados afirmaram já ter presenciado o consumo de drogas nas ruas. Com decidida vontade política, os poderes constituídos são capazes de mudar essa realidade. Está aí o exemplo do Rio de Janeiro, onde territórios dominados pelo crime organizado vêm sendo retomados pelo Estado. Urge estender esse tipo de ação a todo o país, sem dar trégua à bandidagem.

Transparência e democracia

Transparência e democracia
19 Dez 2011

Tendências e debates

José Eduardo Cardozo e Marivaldo Pereira


O poder público tem o desafio de contribuir para fomentar a criação de uma maior cultura de fiscalização da máquina pública em toda a sociedade
A Lei de Acesso a Informações, sancionada pela presidenta Dilma no dia 18 de novembro, é a primeira na história do país a regulamentar integralmente o direito dos cidadãos a ter acesso pleno a informações de interesse coletivo ou geral, consagrado no artigo 5º da Constituição Federal.
Embora o debate em torno do tema tenha se concentrado, num primeiro momento, nas regras sobre a restrição de acesso a documentos públicos, o escopo da nova lei é bem mais amplo e traz um conjunto de regras imprescindíveis para a garantia da transparência no poder público, em todas as esferas.
A Lei de Acesso a Informações acaba com a possibilidade de sigilo eterno de documentos públicos, restringe o rol de servidores autorizados a classificar documentos como sigilosos e cria mecanismos para evitar abusos na restrição de acesso a documentos públicos.
Inspirada no premiado Portal da Transparência do governo federal, mantido pela Controladoria-Geral da União, a lei obriga todos os órgãos públicos a divulgar na internet informações atualizadas sobre: unidades e horários de atendimento; registros de quaisquer despesas, repasses ou transferências de recursos financeiros; licitações e contratos; programas, ações, projetos e obras; e respostas a perguntas mais frequentes recebidas da sociedade.
Por sua vez, os portais em que as informações serão divulgadas deverão contar com ferramentas que garantam a acessibilidade para pessoas com deficiência e que facilitem a busca por informações específicas. As informações deverão ser disponibilizadas de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.
Além disso, deverão estar em formato que facilite a interpretação, o cruzamento e a análise dos dados, permitindo, inclusive, o acesso automatizado por sistemas externos e a produção de relatórios.
Quanto aos pedidos de acesso a informações, a nova lei prevê que poderão ser formulados por qualquer meio legítimo e por qualquer interessado, sendo vedado aos órgãos públicos exigir qualquer fundamentação por parte do cidadão.
Não sendo possível o atendimento imediato, o pedido deverá ser atendido em até 20 dias, assegurado ao interessado o direito à interposição de recurso, em caso de resposta negativa ou fora do prazo.
Além disso, a lei determina que os órgãos públicos criem serviços de informações em local com condições apropriadas para atender e orientar o público, inclusive sobre a tramitação de pedidos.
A Lei de Acesso a Informações cria, portanto, as condições para que os cidadãos deixem de ser espectadores e passem a acompanhar de perto o cotidiano do poder público. Tal mudança fortalecerá a fiscalização e o combate à corrupção e a outras formas de desvios que comprometem a eficiência e o adequado funcionamento do Estado.
Por tudo isso, a sanção da lei nº 12.527/2011, resultante do projeto encaminhado em 2009 pelo presidente Lula, é motivo de comemoração, e sua aplicação ajudará a fortalecer ainda mais a democracia.
Ao poder público cabe o desafio de se adaptar à nova lei e de contribuir para fomentar a criação de uma cultura de participação e fiscalização da máquina pública em toda a sociedade brasileira.

JOSÉ EDUARDO CARDOZO é ministro da Justiça.

MARIVALDO PEREIRA é secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Entrevista com o Prof. José Maria Nóbrega


O Globo, 15 de dezembro de 2011.

 

`Nordeste não está preparado para aumento da criminalidade’

Para pesquisador sobre violência na região, polícia funciona sem planejamento

RIO - Mais riqueza em circulação, maior atratividade para o crime, com governos despreparados para enfrentar isso. Para o cientista político José Maria Nóbrega, professor da Universidade Federal de Campina Grande (PB) que pesquisa criminalidade no Nordeste - e que, em estudo sobre o tema incluído em publicação deste ano da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), já apontava o aumento da violência no Nordeste em relação a outras regiões e a explosão de crimes na Bahia -, a falta de estrutura e de planejamento dos órgãos de segurança na região fez com que ela não estivesse preparada para o aumento do volume de criminalidade, que chegou como efeito colateral da expansão de empregos e consumo. Ao GLOBO, Nóbrega, que lança no início de 2012 o livro “Os homicídios no Nordeste brasileiro”, fala em “fracasso do estado” no combate à violência.
Por que o Nordeste se tornou a região do país com maior crescimento da violência?
JOSÉ MARIA NÓBREGA: O principal motivo é a fragilidade institucional do aparato de segurança dos estados nordestinos. Isso nunca esteve na agenda dos governos estaduais; apenas Pernambuco, nos últimos anos, começou a se preocupar com essa questão. O que é essa fragilidade institucional? É a polícia funcionando sem planejamento, sem pesquisa científica, sem informação sobre as ocorrências criminais. Algumas delegacias têm dados por causa da vontade do delegado. Não há gerências de estatística nas secretarias de Segurança. Então, é o fracasso do estado. Podem dizer que sempre foi assim na região. Então, por que estaria pior agora? O problema é que nos últimos anos o Nordeste passou a atrair mais o crime. Primeiro que no Sudeste passou a haver aumento das políticas de segurança no Rio e em São Paulo. Então, com essa redução dos espaços para o crime no Sudeste, os criminosos migraram para outras regiões. E, ao mesmo tempo, houve aumento da riqueza no Nordeste, o que teve o efeito de atrair a criminalidade para a região. Na área do Porto de Suape (PE), por exemplo, com crescimento da área, também houve aumento do crime contra patrimônio. Além disso, com maior renda no Nordeste, aumentou também o número de potenciais consumidores de drogas, aumento do consumo do crack, e isso também atraiu o tráfico.
O crescimento econômico não deveria ajudar a diminuir a criminalidade, por dar mais perspectiva de emprego?
NÓBREGA: No Nordeste está tendo o efeito inverso. Quando veio esse aumento de volume da criminalidade, atraída pela maior riqueza, a segurança pública nos estados, com suas falhas institucionais antigas, não estava preparada. A Bahia juntou crescimento econômico e falta de estrutura na segurança pública com a proximidade geográfica do Sudeste. O resultado: (a criminalidade lá) explodiu de forma assustadora, passou de cerca de 1,5 mil homicídios em 1996 para mais de 4,5 mil em 2008; em 2010, foi a mais de 5,2 mil homicídios. É claro que tem de haver crescimento econômico e geração de empregos; o problema é que as instituições de segurança pública na região não estavam preparadas para esse efeito colateral trazido pela maior riqueza, que foi o aumento de criminalidade. O Ministério Público não consegue oferecer denúncia sobre os casos de homicídio por causa da má qualidade dos inquéritos policiais. Em Pernambuco, em 2007, o MP só conseguiu oferecer denúncia de 5,4% dos casos registrados de homicídio.
O aumento da violência no Nordeste foi maior nas regiões metropolitanas ou no interior?
NÓBREGA: Nas regiões metropolitanas, porque é onde aumentou mais a circulação de riqueza. De 2000 para 2010, João Pessoa foi da 15 posição para o 2 lugar na lista das capitais mais violentas. Mas as cidades pequenas do interior também se transformaram numa área de lazer maravilhosa para o criminoso ficar. Ele comete o crime na capital e regiões metropolitanas, e vai se esconder no interior. O pessoal descobriu esse filão. No interior, porém, também houve crescimento da criminalidade: em cidades como Boa Vista (PB), passaram a explodir caixa eletrônico, que nessas cidades fica em casa de telha, sem câmera.
Falta de pessoal também é um problema? Seu artigo na publicação da Senasp cita que houve aumento da violência apesar de alguns estados terem tido aumento do seu efetivo policial.
NÓBREGA: Sim, claro que a falta de pessoal prejudica. Mas só aumentar efetivo não adianta se você não sabe o que fazer com esse efetivo. É como ter um time de futebol de 30 jogadores que só chutam para a esquerda.
A melhoria da estrutura de segurança pública passaria também por uma mudança da política na região?
NÓBREGA: Não há ainda, sobretudo no interior, a percepção da população sobre a importância e a influência do político para as políticas do governo. O debate eleitoral em muitos municípios não é sobre políticas para a população, é sobre quais famílias serão favorecidas, o poder patrimonial desse ou daquele político... Num município como Monteiro (PB), um comerciante instalou uma câmera no centro da cidade. Isso era algo que a prefeitura poderia ter feito tranquilamente, para monitoramento, e não fez.



Po que tanto medo de regular a radiodifusão?


O Estado de S. Paulo, 15 de dezembro de 2011.

Por que tanto medo de regular a radiodifusão?
Eugênio Bucci
jornalista, é professor da Eca-USP e da ESPM

Existe um tabu na imprensa brasileira: ela não gosta de falar sobre a necessidade de um novo marco legal para as emissoras de rádio e TV. Os grandes jornais só entram no assunto muito raramente. Os telejornais, então, quase nunca. Não obstante, estamos falando de um déficit que engessa a nossa democracia. É quase inacreditável que até hoje inexistam regras jurídicas modernas para disciplinar o funcionamento da radiodifusão. E, quanto a isso, a principal manifestação da nossa imprensa tem sido o mutismo.
Há exceções? É evidente que sim. Aqui e ali pipocam referências ocasionais ao tema. Este jornal, por exemplo, às vezes toca na ferida. Agora mesmo, há pouco mais de uma semana, no dia 4 de dezembro, um editorial do Estado reafirmou: "A necessidade de modernização do marco regulatório das comunicações no País, defasado em relação aos avanços tecnológicos das últimas décadas, é absolutamente pacífica". Exceções à parte, porém, o que predomina é mesmo o silêncio.
Não é difícil entrever as razões desse silêncio. Há um receio ancestral, irrefletido, no interior da indústria e do negócio da comunicação. Aos olhos e aos ouvidos desse receio, qualquer proposta de revisão do modelo vigente - que já é bastante precário, todos reconhecem - ameaçaria o status quo e até mesmo a liberdade de imprensa. Além de inconveniente, portanto, essa pauta poderia erguer um palanque para os que querem simplesmente censurar os noticiários. Daí a conclusão - errada - de que é melhor não mexer com isso. Daí, enfim, o tabu, o triste tabu.
Claro que todos nós podemos conviver com tabus, a própria ideia de civilização se vincula à ideia de tabu. No caso presente, contudo, nosso bloqueio não tem nada de civilizado. É bem o oposto: estamos falando aqui de um tabu anticivilização.
Em primeiro lugar, porque é antijornalístico. A imprensa é tanto melhor quanto mais consegue ser independente - inclusive dos acionistas, sobretudo quando eles são medrosos. As boas redações, aliás, educam seus patrões. No entanto, se não souberem dedicar-se ao dever da liberdade, elas se apequenam e, no limite, traem seus públicos e prejudicam os próprios acionistas. Se há um déficit legal no Estado brasileiro, é evidente que isso é notícia. Não por acaso, esse assunto é debatido na imprensa do mundo inteiro. Com o advento das novas tecnologias da revolução digital, os parâmetros dos marcos regulatórios da mídia estão na ordem do dia. Menos no Brasil.
Mais do que antijornalístico, esse é um tabu antidemocrático, regressivo e autodestrutivo. Se o Brasil quer realmente ganhar projeção internacional, precisa estar em linha com o que há de mais avançado na democracia - e, nessa matéria, nossa defasagem é pré-histórica. Não se pode mais esperar que as concessões das emissoras de rádio e televisão ainda sejam ordenadas por um código de 1962, cujas lacunas seriam supostamente sanadas por um cipoal de normas infralegais, formando um Frankenstein incompreensível.
Listemos apenas três imperativos que reclamam a modernização do marco legal:
O Brasil ainda convive com políticos - especialmente parlamentares - que mandam e desmandam em redes ou emissoras, como donos de fato, contrariando clamorosamente o espírito (e o texto) do artigo 54 da Constituição federal, que veda que senadores e deputados mantenham vínculos com empresas concessionárias de serviço público. Até quando?
Vivemos hoje num limbo jurídico. A nossa Constituição impede o monopólio e o oligopólio (artigo 220), mas isso é letra morta, pois não dispomos de lei que estabeleça o que é monopólio e o que é oligopólio. Um novo marco legal deve definir claramente, em números precisos, qual o limite que separa a prática do monopólio, de um lado, e o regime de concorrência saudável, de outro.
O Brasil não pode mais fazer vista grossa à promiscuidade entre igrejas e partidos políticos no interior das emissoras. Em alguns canais que estão aí, no ar, não dá mais para saber onde termina o templo e onde começa o estúdio, o que tem gerado distorções concorrenciais e partidárias no espaço público. Até onde iremos com isso? Nenhuma democracia funciona bem quando essas três esferas se embaralham no nível em que elas se vêm embaralhando entre nós. Igrejas gozam de benefícios fiscais que não podem ser estendidos a emissoras comerciais - isso se pretendermos de fato viver sob um Estado laico, num regime em que a competição comercial seja justa e a disputa política, equilibrada. Para que o direito à informação, a diversidade de opiniões, a liberdade de expressão e a livre concorrência sejam respeitadas, igrejas, partidos políticos e emissoras não se podem misturar.
Citamos aqui três imperativos. Há outros, todos eles enfáticos, mas não precisamos enumerá-los um a um. Os três já bastam para demonstrar que o silêncio em torno do assunto só favorece o atraso, já bastam para esclarecer que esse debate, se bem feito, não diz respeito à censura dos conteúdos, mas apenas à ordenação do mercado. Ao contrário, um bom marco regulatório protege a liberdade.
Repetindo: a reforma da legislação nesse setor é uma necessidade da democracia e do mercado civilizado. Se, a despeito dessa obviedade clamorosa, prevalecer a razão (irracional) do tabu, os caudilhos autoritários - de direita ou de esquerda, dá na mesma - vão monopolizar o tema. Com isso, uma agenda que é do mais alto interesse nacional será sequestrada pelos que não querem modernidade nenhuma.
Por tudo isso, essa pauta precisa de mais visibilidade. O progresso do Brasil depende da construção de um novo marco regulatório que nos atualize em relação às outras democracias e nos destrave o caminho para o futuro. Não dizer uma palavra a respeito é buscar refúgio num atraso insepulto, cujo prazo de validade já venceu faz tempo.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Violência avança mais no interior do país



14/12/2011 - 12h09 / Atualizada 14/12/2011 - 15h21

Homicídios crescem 124% em 30 anos no país; violência avança mais no interior

Janaina Garcia
Do UOL Notícias, em São Paulo

Cerca de 1,1 milhão de brasileiros foram assassinados nos últimos 30 anos (de 1980 a 2010) no país, em um processo de disseminação da violência no qual cidades do interior já ditam o ritmo de crescimento dessas taxas. Com o aumento da população nessa três décadas, a taxa de homicídios, que na década de 80 era de 11,7 em cada grupo de 100 mil habitantes, passou para 26,2 em 2010, o que representa um aumento de 124%.
"É como se uma cidade inteira tivesse sido atingida por uma bomba atômica", disse o coordenador do Mapa da Violência 2012 e diretor de pesquisas do Instituto Sangari, o argentino Julio Waiselfisz, durante o lançamento do estudo nesta quarta-feira (14) em São Paulo.
O forte processo de interiorização fez com que as áreas mais violentas se deslocassem das capitais e regiões metropolitanas para o interior. Em 1995, por exemplo, enquanto nas capitais a taxa era de 40,1 homicídios em 100 mil e, no interior, de 11,7, em 2010 a taxa quase duplica no interior (22,1) e sofre redução nas capitais (33,6).
"Em menos de uma década, se esse ritmo seguir, o interior deverá ultrapassar os grandes centros urbanos", disse Waiselfisz. Em coletiva na Universidade de São Paulo, ele afirmou que os trabalhos foram feitos a partir de informações fornecidas pelos ministérios da Saúde e da Justiça, como certidões de óbito e boletins de ocorrência. O Estado em que os índices de homicídios são mais altos, de acordo com o mapa, é Alagoas, seguido por Espírito Santo, Pará, Pernambuco e Amapá.
O estudo aponta ainda que os 17 Estados que apresentavam as menores taxas de homicídio na virada do século tiveram aumentos significativos nesses índices, enquanto em sete outros Estados as taxas caíram. No ano 2000, os sete maiores tinham uma taxa conjunta de 45,6 homicídios em 100 mil habitantes, e os 17 menores, 15,4.
O número de quase 1,1 milhão de mortos em três décadas é muito superior, por exemplo, aos 45 mil mortos em 36 anos de guerra civil na Colômbia e praticamente o dobro dos 550 mil assassinatos da guerra civil em Angola.

Capitais mais violentas

Pelo ranking das capitais, metade das que apresentaram as taxas de homicídios mais altas de 2000 a 2010 estão no Nordeste. A lista é puxada por Maceió (AL), com 109,9 homicídios por 100 mil habitantes, e que era a oitava em 2000. João Pessoa (PB), com 80,3, pulou da 13ª colocação para a segunda colocação (80,3).
Ainda entre as dez capitais, Recife (PE), com 57,9, é a quarta com mais assassinatos--era o primeiro lugar na lista de 2000. São Luís (MA) é a quinta colocada, com 56,1, Salvador  (BA) a sétima, com 55,5 (era a 25ª há 10 anos) e Belém (PA), com 54,5, é a oitava --era a 21ª em 2000.
Completam o grupo Curitiba (PR), sexta colocada, com 55,9, Vitória (ES), a terceira, com 67,1, Porto Velho (RO), em nono com 49,7, e Macapá (AP), décima colocada 49 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Estados

No ranking por Estados, Alagoas aparece como o mais violento, com taxa de 66,8 homicídios por 100 mil habitantes. Na sequência vêm Espírito Santo (50,1), Pará (45,9), Pernambuco (38,8), Amapá (38,7), Paraíba (38,6), Bahia (37,7), Rondônia (34,6), Paraná (34,4) e Distrito Federal (34,2).
As unidades com as menores taxas, de acordo com o mapa, são Santa Catarina (12,9), Piauí (13,7) e São Paulo, que, com 13,9 homicídios por 100 mil habitantes, teve queda de 67% no índice em comparação com 2000.


domingo, 11 de dezembro de 2011

Impunidade e democracia


Folha de S. Paulo 11 de dezembro de 2011.
Santiago A. Canton 


Impunidade e democracia


Celebramos o fato de que cada vez mais países aceitam que o combate à impunidade por violações de direitos humanos é um pilar vital da democracia
A aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, impulsionou uma das mudanças de paradigma mais importantes na história da humanidade, ao reconhecer os direitos de todos os seres humanos "sem distinção alguma de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outro tipo, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição".
Esse foi o primeiro passo na construção de uma estrutura jurídica universal que aspirava acabar com milhares de anos de injustiças para milhões de pessoas. Foi um momento histórico em que prevaleceu um espírito de grandeza e esperança.
Hoje, 63 anos depois, sabemos da dificuldade em realizar os ideais expressos em Paris: "O surgimento de um mundo em que todos os seres humanos, libertados do medo e da miséria, desfrutem da liberdade de expressão e da liberdade religiosa".
Nossa própria história nos deixou uma boa lição. Os países da América Latina tiveram um papel central na aprovação da Declaração Universal e na incorporação nela de algumas das normas mais importantes. Apenas oito meses antes da adoção da Declaração Universal, nossa região tinha adotado em Bogotá a Declaração Americana, reconhecendo os direitos humanos de todos os habitantes deste continente.
Lamentavelmente, esse espírito não durou muito tempo. Anos mais tarde, a América Latina introduziu a palavra "desaparecido" no dicionário jurídico; as democracias foram substituídas por ditaduras, e os massacres e torturas se converteram em moeda corrente.
A região tem uma história pendular de democracia e direitos humanos, por um lado, e de massacres e ditaduras, por outro. A partir dos anos 1980 começou uma etapa de desenvolvimento democrático que, salvo exceções isoladas, vem fazendo o pêndulo voltar-se para o lado democrático como nunca antes em nossa história. Mas essa mesma história pendular nos obriga a persistir na construção de condições que nos impeçam de oscilar outra vez em direção ao autoritarismo.
São muitos os fatores necessários para a construção de um Estado de Direito sustentável. Mas existe um que é indispensável: a justiça pelas violações dos direitos humanos e pela destruição do sistema democrático. A impunidade corrói a sociedade como um todo e constrói sociedades injustas, desiguais, discriminatórias, em que o ideal de progresso e igualdade é superado por estruturas de poder formais e informais que protegem e beneficiam os setores mais favorecidos e prejudicam os mais vulneráveis.
Nesse oceano de impunidade, o fator que provoca maior dano é aquele que impede que sejam punidas as pessoas que reinaram sobre a vida e a morte dos latino-americanos e destruíram a democracia. A impunidade que protege os que assassinaram e torturaram milhares de pessoas e proibiram os povos de decidir seu próprio destino.
Em nossa região, estão sendo dados passos muito positivos para pôr fim a essa impunidade. Por meio de leis e processos históricos, nacionais e internacionais, foram abertos processos contra as pessoas acusadas de graves violações dos direitos humanos. A Argentina anulou completamente as leis de anistia e se encontra em um processo, verdadeiro exemplo para o mundo, em que está levando a julgamento todos os responsáveis pelas violações dos direitos humanos.
Neste novo aniversário do Dia Internacional dos Direitos Humanos, podemos comemorar o fato de que são cada vez mais os países que aceitam que o combate à impunidade por violações dos direitos humanos é um pilar fundamental da democracia e do Estado de Direito.
A busca incansável por justiça para as vítimas de direitos humanos assentou as bases para um Estado de Direito duradouro. Mas não podemos descansar. Nossa história ensina que o que está em jogo é importante demais e que o pêndulo não se detém facilmente.
SANTIAGO A. CANTON é secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Prédio invadido


Correio Braz 9 dez 2011

Prédio que Presidência usa em SP é invadido

Ullisses Campbell

São Paulo — No dia em que a Avenida Paulista, em São Paulo, fez 120 anos, um grupo de cerca de mil pessoas sem-teto invadiu o hall de entrada do prédio do Banco do Brasil, na esquina com a Rua Augusta. No terceiro andar do edifício, fica o escritório da Presidência da República. É uma espécie de sucursal do Palácio do Planalto, onde Dilma Rousseff despacha quando está em São Paulo.
Segundo o Movimento dos Sem Teto de São Paulo, a invasão foi simbólica, mas a ação levou para o local homens da Polícia Militar, que fizeram um cerco no prédio de 20 andares.
Depois da invasão, o grupo de manifestantes sem-teto seguiu para a Assembleia Legislativa, onde ficou até as 20h. O protesto começou por volta das 9h, com concentração no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Já na frente do prédio onde fica o gabinete de Dilma, o grupo exigiu um encontro com o representante da Secretaria-Geral da Presidência.
Seis manifestantes foram autorizados a subir até o escritório da Presidência para apresentar suas reivindicações. Como não havia funcionário da Secretaria Geral no local, o encontro foi agendado para 19 de dezembro. Na pauta da reunião, constam assuntos relacionados a habitação e trabalho. Segundo a chefe de gabinete do escritório de Dilma, Rosemary Noronha, a reunião foi agendada porque o grupo agiu pacificamente, sem provocar qualquer tumulto.
A manifestação fechou a Avenida Paulista, que já tem um trânsito lento diariamente. Um grupo que entrou no salão onde ficam dezenas de caixas eletrônicos chegou a ser expulso do local por seguranças do Banco do Brasil. "Nós só entramos aqui porque está chovendo", justificou a manifestante Martha Salvador, da comissão de negociação do Movimento  Sem Teto de São Paulo.
Da Paulista, o grupo seguiu pela Avenida Brigadeiro Luís Antônio até chegar à Assembleia Legislativa, foi realizada uma audiência pública para o lançamento da campanha "Sem Teto com Vida" contra a criminalização dos movimentos sociais. O ato é liderado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra de Campinas, Fábricas Ocupadas, CSP-Conlutas e o Movimento Urbano dos Sem Teto.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Sócrates: uma homenagem

Sócrates, Brazil's painter on the pitch who was denied world glory

With his languid grace, Brazil's midfield genius was a joy to behold, but he was much more than just a footballer

Richard Williams
guardian.co.uk, Sunday 4 December 2011 18.03 GMT

http://www.guardian.co.uk/football/blog/2011/dec/04/socrates-brazil-football


News of the death of Sócrates, the sublimely elegant midfield player, who succumbed on Sunday at the age of 57 to complications following treatment for food poisoning in a São Paulo hospital, evokes memories of a day in Barcelona in 1982 when, with a single stroke of his boot, he seemed to have eased Brazil towards another World Cup final.

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira had almost enough names for an entire football team, and as much talent as most teams put together. No footballer, not even Diego Maradona or Eric Cantona, cut a more identifiable figure than the tall, handsome, bearded, wonderfully languid figure who was one of the few Brazilians of his era to rise from the middle classes to the national side and who gave commentators a chance to point out that he was a qualified doctor.

Few players have ever moved around the pitch with such a frictionless, understated grace. Three inches over 6ft, long-legged and skinny in his prime, Sócrates nudged the ball and stroked it and, above all, backheeled it until the geometry of the game had arranged itself to his satisfaction.

But his effort was not enough to take Brazil all the way in that sunlit summer of 1982. The shot that beat Dino Zoff at his near post in the 12th minute equalised an early opening goal from Paolo Rossi, and appeared to be the prelude to an inevitable victory for the South American forces of light and creativity but it was the Italians who prevailed 3-2 in the Sarrià stadium and went on to the lift the trophy. In Brazil and around the world, millions mourned the departure of the side Sócrates captained and which had seemed to embody so much of his country's unique gift to the game. Along with the 1954 Hungarians, they became known as the best team never to have won the World Cup.

The captain was the fulcrum, the inventor and facilitator, as Gérson, a fellow heavy smoker, had been in the great 1970 team. But whereas Gérson was a craftsman at his lathe, fashioning beauty from solid matter, Sócrates was a painter at his easel, summoning beauty from his imagination.

That 1982 team are remembered for their extraordinary, almost excessive profusion of midfield talent. Alongside Sócrates were the heavenly skills and furious shot of Zico, the sumptuous poise of Paulo Roberto Falcão and the elemental drive of Toninho Cerezo. This being Brazil, there were other decent players in the team, notably Júnior, the dynamic left-back, and Eder, a charismatic second striker, who took the eye as Brazil swept past the Soviet Union (2-1), Scotland (4-1) and New Zealand (4-0) in the opening group phase.

They continued their progress in the second round with a 3-1 win over Maradona's Argentina but then fell to Rossi's hat-trick as their limitations – a poor defence and, in Serginho, a third-rate principal striker – got the better of them. There was no Didi, no Amarildo, no Vavá, no Pelé, and no Nílton Santos, Carlos Alberto or Gilmar to shore up the other end. And there was, perhaps, just a hint of a fatal self-indulgence in their delirious inventiveness.

Pelé, usually a fount of unreliable opinion, was spot on when it came to the 1982 team. "There were some excellent performances," he wrote in his autobiography, "but it seemed the team was all midfield, it wasn't as balanced as the teams I had played in."

Telê Santana, the coach, had to take the blame, although only the harshest of judges would condemn a man who sent out his team with the intention of enjoying themselves and enrapturing the spectators. Santana had arrived after the debacles of 1974 and 1978, when Brazil presented a brand of defensive football so uncharacteristic as to be grotesque. Santana was cherished for attempting to exalt the flair and restore the lustre of the Brazilian game, prioritising a luxuriant athleticism over sheer physical effort, and Sócrates was his general on the pitch.

The son of a father who named two more of his sons, Sófocles and Sóstenes, after famous Greeks from antiquity, Sócrates was a left-wing intellectual who read Plato and Hobbes as well as his namesake and whose idols were Che Guevara and John Lennon. During his time with the Corinthians club in São Paulo he organised the players into a sort of workers' collective, seizing the right to make everyday decisions for themselves. He addressed political rallies and, as Brazil's detested military dictatorship began to crumble, arranged for the team to wear on their shirts a slogan exhorting their fans to vote in the 1982 elections.

Paul Breitner, the left-back of West Germany's 1974 World Cup winning side, was an avowed Marxist, and Maradona is a pal of Fidel Castro. But Sócrates was a man of substance as well as gesture. "He managed to politicise football in Brazil as no one has ever done," Alex Bellos wrote in Futebol, his marvellous survey of the game in Brazil. A man, too, who liked a drink, a smoke and a conversation: a hero to nonconformists and romantics everywhere.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Acaba a greve de policiais militares no Maranhão

Acaba a greve de policias militares no Maranhão
03 Dez 2011

Categoria consegue reajuste e garantia de que ninguém será punido
Raimundo Garrone*

SÃO LUÍS. Após dez dias de greve e de ocupação da Assembleia Legislativa do Maranhão, os policiais militares e bombeiros conseguiram ontem um acordo com o governo estadual e encerraram o movimento. Os PMs se apresentam hoje nos quartéis e retomam o policiamento das ruas, realizado durante a greve por Força Nacional, Exército, Marinha e Aeronáutica, com mais de dois mil homens.
O fim da greve da PM, no entanto, não resolve o problema da segurança no Maranhão, já que os policiais civis continuam em greve pela implantação do plano de cargo, carreira e remuneração
Os PMs, que reivindicavam 30% de aumento escalonado em dois anos, conseguiram um aumento de 26,27% escalonado em três anos, com aumentos de 10,45% em 2012, 6,9% em 2013 e 7% em 2014. Um soldado passará a receber, a partir do próximo ano, R$2.240, o sexto salário do país, segundo dados do movimento grevista.
Após fim da greve, carreata por São Luís
Além do aumento salarial os policias militares conseguiram a anistia geral e irrestrita para todos os envolvidos, inclusive para os que estão com prisões decretadas. E receberam a garantia de que não será descontado de cada militar R$200 por cada dia parado, como decidiu a Justiça, ao considerar a greve ilegal.
Uma outra vitória do movimento foi o estabelecimento de uma carga horária de 40 horas semanais e o fim do Regime Disciplinar do Exército (RDE), em vigor na PM do Maranhão desde o golpe militar de 1964.
Logo após a assembleia, uma comissão de policiais militares levou o acordo para ser assinado pelo governo Maranhão. Em seguida, os PMs saíram em carreatas pelas ruas de São Luís.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Chile e Brasil

Folha de S. Paulo, 2 de dezembro de 2011.


Moisés Naím
Uma conversa com Piñera
'Compreendo as motivações dos estudantes que estão protestando', disse-me o presidente chileno
Por que, em um dos países mais bem-sucedidos do mundo, as pessoas estão tão insatisfeitas? Os chilenos deveriam estar festejando, não protestando: a pobreza caiu de 45% em 1990 para 14% hoje.
Duas décadas de crescimento econômico, mais empregos e melhores salários contribuíram para o progresso social. A inflação, que sempre afeta mais os mais pobres, caiu de 27% ao ano em 1990 para 3%.
Em quase qualquer ranking de países, o Chile se situa entre os primeiros lugares (e em quase todas as listas é o número um da América Latina): pouca corrupção, bom desenvolvimento humano, competitividade internacional, liberdade econômica, conectividade e muitos outros fatores. No entanto, já faz meses que acontecem protestos nas ruas.
Na semana passada fiz uma visita ao Chile e tive a oportunidade de conversar com o presidente Sebastián Piñera sobre o paradoxo do êxito econômico e mal-estar social.
"Compreendo as motivações dos estudantes que protestam", disse-me o presidente. "O Chile se concentrou em aumentar rapidamente o acesso à educação, e nos descuidamos da qualidade. Também há um problema com os custos da educação e em que proporção devem ser cobertos pelo Estado."
Piñera elevou o orçamento para a educação e está tentando reformar o sistema, mas me disse: "Entendo que o mal-estar dos chilenos vai mais além da educação". De acordo com o Latinobarómetro, o Chile é o país latino-americano em que a percepção do progresso sofreu a maior redução.
Também é o país onde mais diminuiu a satisfação com a maneira como a democracia vem funcionando, e há forte redução do apoio ao modelo econômico. Por quê?
A história, a política e a cultura obviamente moldam a situação. Mas existem dois fatores que me parecem evidentes: o crescimento da classe média e a desigualdade econômica. A expansão da classe média gera exigências às quais poucos governos conseguem responder com a rapidez e agilidade necessárias.
A conversa que tive com um estudante chileno que participa dos protestos foi muito reveladora: "Minha família sempre foi pobre e agora somos classe média. Mas o governo já não faz nada por nós: se concentra em ajudar os mais pobres ou os mais ricos. Nada para nós, os do meio."
E isto também está relacionado à desigualdade. Como o Brasil, o Chile tem um índice altíssimo de desigualdade econômica. E esse tema apareceu em todas as conversas que tive durante minha visita. É óbvio que no Chile e em outras partes do mundo a convivência pacífica com a desigualdade acabou.
Hoje, reduzir a desigualdade mais rapidamente é uma prioridade que os estudantes chilenos trouxeram para a conversa nacional. O país está em dívida com eles por isso.
Resta ver se o governo, os estudantes e o resto da sociedade chilena conseguirão fazer mudanças que ataquem a desigualdade econômica sem afetar as outras conquistas do país. O Brasil -e outros países- têm essa mesma meta. É possível que, também nisso, venham do Chile algumas lições úteis para o resto do mundo.

Ceticismo da ONU


O Estado de S. Paulo, 02 de dezembro de 2011
ONU se diz cética sobre Comissão da Verdade

JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE

A Comissão da Verdade criada no Brasil pode não ser suficiente para que o País lide com seu passado, disse ontem ao Estado a alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Navi Pillay. Ela mostrou ter dúvidas em relação à iniciativa e reafirmou a queixa de que a Lei da Anistia, de 1979, deveria ser revista pelo País, para que responsáveis por crimes de tortura e assassinatos cometidos durante a ditadura militar pudessem ser julgados.
A entrevista de Navi foi dada duas semanas após a divulgação de um comunicado da ONU em que ela parabenizava o Brasil pela criação da Comissão da Verdade, sancionada em 18 de novembro pela presidente Dilma Rousseff, mas pedia a revogação da Lei da Anistia.
Ontem, Navi mostrou dúvidas em relação à capacidade da Comissão da Verdade de dar respostas sobre o passado. Questionada se seu escritório iria auxiliar o Brasil nos trabalhos, a chefe de Direitos Humanos da ONU hesitou. "Primeiro vou estudar o arcabouço exato dessa comissão", disse. "Vamos esperar que, com o tempo, avanços possam ocorrer nos debates."
Na avaliação da ONU, no entanto, só a revisão da Lei da Anistia e o consequente julgamento dos responsáveis por crimes de tortura poderiam fazer com que o direito internacional relacionado ao tema pudesse ser realmente aplicado no Brasil.
Navi contou que, em 2009, reuniu-se com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília e, na conversa, defendeu a revisão da Lei da Anistia. "Falei justamente dessas temas com Lula", relembrou.