domingo, 5 de junho de 2011

Terra sem lei?

O Globo 5 de junho de 2011.

Mais de 600 assassinatos, só uma prisão


Proteção a testemunhas do Pará tem apenas uma pessoa
MARABÁ, PA. Estado com o mais sangrento conflito agrário do país, o Pará ainda não estruturou uma política para proteger, a contento, agricultores, ambientalistas, líderes sindicais e sem-terra vítimas de intimidações. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que, das 28 pessoas ameaçadas de morte, só uma é atendida pelo programa de proteção a testemunhas do governo paraense, mantido em parceria com a União. Hoje, 16 estão na fila de espera, a maioria camponesa, mas faltam policiais e estrutura para atendê-las.
Num contexto de permanente violência, a segurança estatal é vista como paliativo, já que, em outras esferas, o Estado vem falhando. A reforma agrária caminha com lentidão, criando um caldeirão de embates. Paralelamente, ameaças, agressões e homicídios não são investigados nem punidos.
Entre 1985 e abril deste ano, houve 621 assassinatos motivados por disputas de terra no Pará, mais de um terço de tudo que foi registrado no Brasil (1.580). Somente 15 casos foram julgados, com a condenação de 11 mandantes. Desses, só um - Vitalmiro Bastos de Moura, condenado pela morte da missionária Dorothy Stang - está preso. É o único em todo o país, segundo a CPT.
O advogado da Pastoral da Terra em Marabá, José Batista Afonso, diz que, entre 1982 e 2008, só 37% dos homicídios resultaram em abertura de ação penal contra os acusados. No caso dos ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, mortos numa emboscada no dia 24, no assentamento Praialta-Piranheiras, denúncias de intimidação foram levadas às polícias Civil e Federal.
- Não foi apurado. E, se os dois tivessem solicitado segurança no programa de proteção, estariam na fila de espera até o dia da morte - constata Afonso.
Expulsos em novembro do assentamento - numa ação que envolveria policiais e um fazendeiro cuja investigação só foi iniciada semana passada, pela Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá -, Francisco Tadeu Vaz Silva, de 42 anos, e José Martins, de 57, também integram a lista de marcados para morrer e reclamam da insegurança no local.
- Tenho medo de eles voltarem, querendo fazer alguma coisa. Podem querer voltar e fazer um mal para nós. Ainda não se achou governo aqui dentro, nem depois que mataram o finado José Cláudio - reclama Tadeu.
Única da lista da CPT no programa de proteção a testemunhas no Pará, Maria Joel Dias da Costa, de 48 anos, vive há sete anos ao lado de dois policiais militares. Ela era casada com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, José Dutra da Costa, o Dezinho, assassinado por um pistoleiro na frente dela, em 2000. Depois que assumiu a liderança da entidade, passou a viver ameaçada:
- Tenho medo de sentar numa igreja e falar com Deus. Já era uma vida triste. Passei sete anos com medo de perder o marido e agora estou na mesma situação - lamenta, ressaltando que a escolta não lhe tira a insegurança.
Maria Joel conta que já recebeu ameaças até na presença de policiais. E que, não raro, a proteção é retirada por falta de estrutura policial.
- Meu marido mesmo teve vigilância por seis meses, mas depois ficou sem ela - lembra. - O pistoleiro que matou Dezinho foi condenado, mas saiu da cadeia num indulto de Natal e não voltou mais. O principal mandante ficou preso 13 dias e foi solto por um habeas corpus. O caso foi até levado à OEA (Organização dos Estados Americanos).
Para ela, a vida sob escolta é de limitações:
- Não tenho privacidade. Vou dormir num quarto, o policial vai em outro. É como um vigilante que passa a ser da sua família. Fazem mais parte da minha vida que meus filhos.
Procurado, o governo do Pará não se pronunciou sobre o programa de proteção a testemunhas. O ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva, informou que não tinha autorização do Ministério do Desenvolvimento Agrário para falar. A assessoria de imprensa da pasta não retornou as ligações do GLOBO (Fábio Fabrini).
 

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