domingo, 19 de junho de 2011

Especialistas defendem desmilitarização dos bombeiros

O globo 19 de junho de 2011.

Especialistas defendem desmilitarização


Para jurista e pesquisadores, bombeiros devem ser servidores civis
Para especialistas, a desmilitarização dos bombeiros — frequentemente associados a milícias — é uma necessidade urgente. Na opinião de todos os consultados pelo GLOBO, a rotina militar desvia o foco da atividade fim, além de comprometer a profissionalização e a autonomia. O jurista Hélio Bicudo, que nos anos 90 apresentou um projeto de desmilitarização da tropa quando era deputado federal, considera que a transformação de bombeiros em servidores civis é uma medida óbvia e necessária.
— Por que bombeiro precisa ser militar ou usar armas? É óbvio que não faz sentido. Todo mundo sabe, mas não se faz nada porque não interessa à Polícia Militar, que em alguns lugares comanda os bombeiros, e ao próprio Exército, porque são forças auxiliares — avalia.
Até empresário de arma acha um “erro histórico”
Tratar como urgentes a desmilitarização do Corpo de Bombeiros e o fim da autorização de porte de arma para seus integrantes é consenso. O advogado e oficial da reserva do Exército Fernando Humberto, presidente da Confederação Brasileira de Tiro e Caça do Brasil e empresário da indústria de armamento, afirmou que bombeiro militar e armado é um erro histórico que o país precisa corrigir:
— Defendo que todo cidadão brasileiro tenha o direito de possuir uma arma, mas considero um absurdo a militarização dos bombeiros. Eles deveriam ter só status civil, como acontece em outros países. Bombeiro também não precisa de arma, de andar armado. Precisamos corrigir já esse erro histórico.
O professor de sociologia e pesquisador da área de segurança pública da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Flávio Testa, acha absolutamente dispensável o uso de armas por bombeiros.
— Numa sociedade democrática, os bombeiros têm que seguir uma lógica profissional, com gestão autônoma e avaliação de desempenho. É muito importante para o país que se repense toda a estrutura da defesa civil. No Brasil, menos de mil municípios têm corpos de bombeiros. É uma das instituições mais carentes do país — afirma. — Além da questão salarial, há um outro lado que é o problema da identidade dos bombeiros. Nesse aspecto, a desmilitarização seria muito positiva.
O antropólogo Roberto Kant de Lima, professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos, também acha que os bombeiros deveriam pertencer a uma instituição civil, sem direito ao porte de arma.
— As origens do Corpo de Bombeiros se encontram ligadas à participação solidária de membros da sociedade em casos de acidentes ou catástrofes. Quanto às armas, são prerrogativa de militares, mas não de bombeiros, que deveriam estar acompanhados da devida proteção policial para exercer suas tarefas sem riscos desnecessários — afirmou Kant.
Segundo ele, a sociedade, em virtude dos preconceitos enraizados, considera que o povo é fraco, desorganizado e rústico, e que somente é possível organizá-lo através de hierarquias rígidas e, consequentemente, extremamente repressivas.
— Essa concepção de ordem hierárquica indissociavelmente vinculada à disciplina remete à necessária organização policial-militar e, mais extraordinariamente ainda, aos bombeiros militares. Na minha opinião, é uma visão equivocada.
Pesquisador: armas podem colocar sociedade em risco
Pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, Ignácio Cano diz que o caráter militar é negativo:
— Os bombeiros, submetidos a uma disciplina militar, não podem se organizar em sindicatos e têm dificuldades para canalizar suas demandas. O fato de portar armas pode ainda colocá-los num risco individual maior, especialmente em áreas de controle de grupos criminosos.
Ainda segundo ele, a sociedade sofre com o risco da proliferação de agentes públicos armados. Armas que não são usadas para protegê-la, mas para fins privados, observa:
— No caso mais extremo, encontramos bombeiros membros de milícias, que usam essas armas para achacar a sociedade.
Apesar da unanimidade em torno do tema, o processo de desmilitarização depende da apresentação de um projeto ao Congresso alterando o texto da Constituição.

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