quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Os riscos para as agências reguladoras
Wed, 24 Nov 2010 07:34:58 -0200

Josef Barat
A globalização propiciou a convergência de uma extraordinária mobilidade do capital privado com a redução do papel do Estado na dinâmica do desenvolvimento. O resultado foi o interesse crescente do capital privado em investir em empreendimentos de longa maturação e retornos seguros. A infraestrutura de serviços públicos, com forte tradição estatal, se tornou mundialmente atraente para investidores privados, motivados pelas concessões de longo prazo ou Parcerias Público-Privadas. O surgimento de agências reguladoras autônomas foi uma decorrência desse processo.
O País lutou por décadas com o gigantismo estatal, criando autarquias, empresas públicas e paraestatais. Porém, quanto mais se buscava descentralizar a administração, mais inchava a estrutura estatal. Nos anos 80 a excessiva concentração de funções na União induziu a descentralização para Estados e municípios. Em meados dos anos 90, a busca da contemporaneidade decorreu das ameaças de hiperinflação, falta de controle dos gastos do governo e redução drástica dos investimentos públicos. Com o colapso da capacidade de investir e o fim do financiamento via inflação, a saída para mitigar a crise fiscal se deu pela privatização de empresas estatais e pela transferência, por concessão, da operação e dos investimentos na infraestrutura de serviços públicos.
Por se tratar de algo essencial ao bem comum, a responsabilidade última nos serviços ou bens públicos é do Estado. As agências reguladoras foram criadas justamente para dar ao Estado - como poder concedente - segurança e controle, ditando normas estáveis de condução entre os agentes envolvidos: poder público, prestadores dos serviços, investidores e usuários. Instituídas no Brasil a partir de 1996, visavam a dar respaldo à participação privada na exploração de serviços públicos. O governo federal optou por criar agências setoriais, enquanto muitos Estados optaram por agências abrangendo dois ou mais setores, visando a racionalizar recursos humanos e materiais.
Como organizações de Estado, no âmbito de uma gestão pública moderna, as agências controlam, fiscalizam e monitoram todos os aspectos da prestação de um serviço público concedido. Devem, portanto: 1) ser independentes e atuar com isenção, gerindo contratos de concessão que transcendem períodos de governo; 2) arbitrar conflitos de interesse entre poder concedente, concessionárias e usuários dos serviços; e 3) garantir equilíbrio e estabilidade no relacionamento entre as partes envolvidas, mediante credibilidade e imagem pública de isenção.
Ocorre que as agências são alvo frequente de ingerências do Judiciário e do governo, que são mais fortes quando elas não dispõem de competência técnica ou marco regulador adequado. Isso afeta o trinômio que sintetiza a regulação: independência, credibilidade e capacitação técnica. Assim, persiste até hoje, por parte do Judiciário e do governo, a dificuldade em compreender o papel e a autonomia das agências, o que provoca situações de confronto decorrentes de decisões judiciais e de governo. A falta de definições claras dos limites de competências e funções das agências provoca visões contraditórias e incompreensão a respeito da sua atuação.
A continuidade do crescimento econômico estimulará o interesse do setor privado em investir em negócios ligados à superação dos sérios gargalos nas infraestruturas. Mas são vários os riscos futuros para as agências: 1) sua captura por interesses privados e/ou aparelhamento político-partidário, com a degradação da isenção e da qualidade técnica; 2) superposição de funções da administração direta (políticas públicas e planejamento) com as de gerenciamento técnico dos serviços concedidos; e 3) falta de autonomia financeira para o livre exercício de suas funções. Por fim, preocupa sempre a insegurança jurídica gerada pela quebra de regras contratuais decorrentes de decisões arbitrárias de governo, além da regulação inconsistente e mutante que prevalece em muitos segmentos das infraestruturas.
PRESIDENTE DO CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES DA FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO DE SÃO PAULO, FOI DIRETOR DA ANAC
 

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